Passei uma semana pensando em como começar um texto sem todos os clichês dispensáveis que cercam o universo feminino, é quase impossível. A verdade é que nunca se falou tanto sobre as mulheres e os espaços que ocupamos no mundo. Isso é maravilhoso, mas ao mesmo tempo nossas pautas foram compradas por marcas que querem tornar o engajamento feminino e o feminismo um “produto” para vender produtos.
A indústria da beleza é um exemplo clássico disso. Revistas que por décadas estamparam em suas capas corpos magérrimos, por vezes anoréxicos e bulímicos, cedem espaço para corpos magros, (ainda brancos) com axilas não depiladas, procurando atrair leitoras cada vez mais familiarizadas com as pautas feministas. É a desconstrução “soft” dos padrões. Que não se reinventa e ainda navega com alguma superficialidade no movimento de uma quarta e nova onda feminista.
A publicidade está atenta, as marcas também. É um novo tipo de exploração com um marketing “inteligente” e antenado. Adequação da linguagem, usando termos como “empoderamento” e discursos de liberdade que não libertam ninguém.
As mulheres continuam ganhando menos que os homens. Nós, mães, continuamos enfrentando um mercado de trabalho com jornadas pouco flexíveis e extensas, impossível de conciliar com o tempo que nossos filhos passam na escola. E quando conseguimos manter os pratinhos rodando nessa vida de equilibrista, contamos com uma rede de apoio familiar ou com mulheres que também deixaram seus filhos com outras mulheres para poder trabalhar.
Os índices de feminícidio continuam absurdos. Nos noticiários a violência contra a mulher é naturalizada. Não nos chocamos assistindo à mulheres morrendo e seus algozes desfrutando de liberdade e impunidade. Injustiças em série e um sistema de proteção às vítimas de violência que continua lento, falho e burocrático.
É preciso que mais mulheres participem das decisões importantes que afetam as coletividades. Mais mulheres produzindo conteúdo na internet, mais mulheres escrevendo e publicando livros, mais mulheres na política, mais mulheres nos espaços públicos, nas lideranças corporativas, nas pesquisas científicas, artes, cultura, comunicação, educação, tecnologia.
Que a revolução feminina comece em cada núcleo cotidiano, em cada uma de nós. E que esse protagonismo seja percebido como sendo essencial na busca de um futuro de inclusão, equidade e justiça social.
Foto: Alice Donovan Rouse / Unsplash
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