Até o final do século passado, existiam apenas as câmeras e gravadores de vídeo analógicos. No caso das filmadoras, eram geralmente máquinas caras, pesadas e de manejo complexo — só alguns amadores ousavam levá-las a eventos públicos, como shows, festas de casamento, aniversários, batismos e apresentações escolares. Em shows de música, era mais comum que o fã na frente do palco segurasse um isqueiro aceso (hoje totalmente proibido) do que uma câmera ou gravador (geralmente vetados na época).
Em 2019, tudo isso mudou num giro de 180 graus. As câmeras de hoje, para imagens e sons, são os levíssimos e poderosíssimos smartphones e tablets. Virtualmente todo mundo tem acesso a esses recursos, por uma fração do preço de quinze ou vinte anos atrás.
O resultado disso, dessas centenas de milhões, ou até bilhões, de câmeras é uma transformação sem precedentes na cultura do registro de imagens e sons. Nunca tantos amadores tiveram câmeras tão leves, baratas e fáceis de usar. Estudos recentes estimam que mais da metade de todas as fotos e vídeos já feitos na história ocorreram nos últimos três ou quatro anos.
O que acontece é que as câmeras estão em todos os lugares, e as boas maneiras foram suas primeiras vítimas. A grande maioria dos fotógrafos e cineastas amadores se comporta mais como paparazzi histéricos sem um pingo de educação, e não como documentaristas sensíveis e gentis. E isso independe de berço, sobrenome, conta bancária ou profissão. A falta de cortesia digital é um traço muito democrático. Nos eventos públicos de hoje, é praticamente impossível ver o que o acontece, seja no palco ou no altar, devido a uma muralha de telas de todos os tamanhos de smartphones e tablets.
E com isso, essa multidão ávida e ansiosa acaba perdendo o espetáculo em si. Preocupados em apenas filmar o batizado do sobrinho ou o show da diva pop, deixam de aproveitar essa experiência, perdem o prazer do momento. Vão ver o vídeo depois, e não vão se lembrar do evento — apenas de ter gravado o evento. Para piorar, serão lembrados pelos outros que estavam lá sem câmeras, apenas para apreciar o momento, como aqueles chatos mal-educados que se enfiavam na frente, pisavam nos pés das pessoas ao lado e obstruíam a visão — para gravar melhor seus vídeos. Obviamente, muitos desses vídeos jamais serão vistos depois.
A evolução da tecnologia deveria ser acompanhada de uma evolução (positiva) nos costumes. O fato é que a tecnologia anda num passo muito mais rápido do que a boa educação — de fato, a tecnologia parece agir contra a etiqueta, por motivos puramente econômicos.
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