Em novembro do ano passado o missionário norte-americano John Allen Chau perdeu a vida ao tentar entrar em uma ilha proibida do arquipélago de Andaman e Nicobar, território da União da Índia, para converter os Sentineleses – uma tribo indígena considerada a mais isolada e primitiva do mundo. O povo nativo é conhecido por sua hostilidade e por atirar flechas e lanças em todos os intrusos que tentam se aproximar. Já faz anos que não existe rota direta para o local e a área é protegida pela Guarda Costeira e pelo Departamento Florestal da Índia.
Rejeitar o que é diferente, estranho, não é apenas uma característica dos Sentineleses ou de tribos afastadas. Podemos perceber isso no nosso dia a dia, observando grupos ou mesmo dentro das organizações. Desde os primórdios o ser humano tem a tendência a se identificar com o outro que é parecido e criar afinidade de acordo com as características semelhantes, sejam elas físicas ou comportamentais. Já o contrário é visto como uma possível ameaça. Isso porque, segundo a neurociência, o nosso cérebro reconhece o diferente – que podem ser pessoas ou mesmo situações – como perigo e envia sinais de alerta como forma de proteção.
Esse mecanismo de autodefesa, que era essencial para a sobrevivência no período paleolítico, é importante até hoje para outros aspectos que não é o foco aqui, mas a diferença é que hoje somos praticamente obrigados a conviver em sociedade e nos relacionar com pessoas completamente diferentes em questão de raça, gênero, opção sexual, idade, comportamento, ideias, entre outras. E não é lindo isso? Fico encantada quando observo, converso e descubro o mundo de pessoas que são meu oposto.
Os ganhos da diversidade
Um dos temas mais comentados ultimamente é sobre a diversidade dentro das organizações. De fato, acredito não só que um grupo heterogêneo pode fazer com que as empresas sejam mais criativas, inovadoras e se desenvolvam exponencialmente, pois quando a diversidade é exercida na prática ela promove um ambiente acolhedor, engajado, colaborativo e estimulante, mas que as pessoas podem se desenvolver e evoluir ainda mais em contato com o que é “diferente”, quando são desafiadas, questionadas, contrariadas, instigadas e passam a ver por outras perspectivas. Costumo dizer que a somatória de mundos diferentes é muito rica e é por meio da diversidade que conseguimos entender quem nós somos, como pensamos e no que acreditamos.
De acordo com pesquisa divulgada pela Harvard Business Review, empresas heterogêneas têm 45% mais chances de apresentar um crescimento sobre o ano anterior e 70% a mais de probabilidade de ter ganho de mercado. Sem falar que essas características e benefícios nunca foram tão necessários como nesse mundo V.U.C.A..
Não podemos deixar de lado a questão da inclusão
Nesse contexto, também é indispensável falar sobre inclusão, que significa valorizar essas características que nos tornam únicos. Podemos contratar diversos perfis, mas se não tivermos um ambiente inclusivo onde essas diferenças possam se manifestar e que elas sejam acolhidas não há o verdadeiro ganho citado para ambos os lados. Outro ponto é olhar para todos os níveis hierárquicos e ver se temos a mesma representatividade.
No Brasil, um levantamento do Instituto Ethos com as 500 maiores corporações revela que em questão de gênero, quando olhamos para o topo das empresas brasileiras, 87% são homens e 13% são mulheres. Já pelo corte racial o número é de 4.7% de pessoas negras contra 95,3% de pessoas brancas ou de outras raças. Se cruzarmos esses dados olhando para mulheres negras o número é 0.4% em cargos diretivos.
As organizações precisam estar preparadas e a liderança também
Como podemos ver, a diversidade é mais do que um recurso necessário e benéfico, porém as organizações não podem deixar de lado a questão da inclusão e adotá-la por ser uma exigência, por estar em discussão ou ser vista com bons olhos, precisam estar preparadas para tal. Abaixo listei alguns pontos que valem ser refletidos:
- Como é a cultura organizacional da sua empresa hoje? Quais são os valores atuais?
- Como a sua empresa lida com a diversidade já existente?
- Como o RH encara a diversidade na contratação? E a questão da inclusão?
- A liderança está preparada para fazer a gestão de equipes heterogêneas?
- Qual é a cultura organizacional e valores desejados para o futuro?
A prática precisa ser congruente com a fala. Antes de tudo, para adotar a diversidade, as empresas precisam conhecer seus ambientes, desenvolver novas políticas internas e a comunicação entre as equipes, líderes e gestores precisa estar bem alinhada. Fazer a gestão da cultura organizacional envolve uma série de cuidados e ações para sustentar as mudanças e, durante esse processo, o papel da liderança é fundamental, ela precisa estar consciente, preparada e treinada.
Discutir, levar informação e promover workshops, treinamentos, ações internas, para gerar relações de confiança, desenvolver a empatia etc, também traz ganhos em todos os aspectos, não só para trabalhar a questão em si, não só para as empresas, mas para a sociedade como um todo. Precisamos diminuir um pouco esse instinto de autodefesa como o dos Sentineleses e nos permitir aumentar a nossa conexão com as pessoas. Há um longo caminho a ser trilhado, pois envolve toda questão histórica e social, mas trazer o tema à tona já é um grande passo à frente.
** É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O Jornal 140 não se responsabiliza pela opinião dos autores deste coletivo.