O romance de ficção-científica “Um Cântico para Leibowitz” foi escrito por Walter M. Miller Jr. em 1960. A ação se passa em um monastério católico no deserto americano, séculos depois que uma guerra nuclear devastou o mundo. A narrativa mostra como a civilização humana busca se reconstruir depois da tragédia, que aniquilou toda a cultura e as conquistas científicas anteriores.
Um livro exemplar do período da Guerra Fria, “Cântico para Leibowitz” surpreende pela premissa. Uma ordem religiosa fundada por um cientista do século 20 tem a missão de preservar o conhecimento da civilização destruída pela guerra. Depois da catástrofe que vaporizou a maior parte das cidades do mundo, surge um movimento de “Simplificação”: hordas de sobreviventes ignorantes que consideram a cultura, as ciências e qualquer cientista como culpados pela mortandade. Isaac Edward Leibowitz era um engenheiro eletricista judeu que trabalhava para as Forças Armadas dos EUA na véspera do conflito. Depois da guerra, ele busca refúgio em um mosteiro beneditino da ordem cisterciense. Ali, Leibowitz se converte ao catolicismo e estabelece as metas para uma nova ordem monástica que tem o objetivo de preservar a cultura e a ciência para as gerações futuras. Os monges da “Ordem Albertiana de Leibowitz” criam uma abadia no meio do deserto do sudoeste americano e passam a esconder lá todos os livros que encontram. Outros monges se dedicam a memorizar volumes inteiros, para que depois sejam transcritos por irmãos copistas. Cria-se assim a “Memorabilia”, um repositório de conhecimento científico e cultural da civilização, que deve ser protegido pelos religiosos até que a humanidade tenha condições de resgatar essa herança.
Essa atividade dos monges lembra o enredo de “Fahrenheit 451”, escrito por Ray Bradbury em 1953. O romance de Bradbury é muito mais conhecido e já foi adaptado várias vezes para cinema e televisão. O ponto em comum é a hostilidade ao conhecimento e a cultura, que são vistos como subversivos e perigosos para regimes autoritários, ou como a causa de todos os males (no caso de “Cântico”).
A história de “Um Cântico para Leibowitz” se desenrola em três capítulos. “Fiat Homo” (“Faça-se o Homem”) se situa no século 26, quando o mundo está mergulhado nas trevas ainda radioativas da guerra nuclear. A espécie humana está reduzida a poucos agrupamentos, a maior parte são tribos selvagens e canibais, com muitos indivíduos deformados pela radiação. Roma, a cidade original do Vaticano na Itália foi destruída na guerra, e a sede da Igreja Católica é um povoado no meio dos antigos Estados Unidos, Nova Roma. Nesse primeiro momento, um noviço do mosteiro de Leibowitz encontra por acaso documentos em uma ruína que contém conhecimentos da civilização destruída pela guerra atômica.
O segundo capítulo é “Fiat Lux” (Faça-se a Luz”) começa no ano 3174, e mostra como os religiosos do mosteiro Leibowitz conseguiram preservar os livros e diagramas, permitindo que cientistas da nova era possam começar um Renascimento. Ainda é um período muito primitivo, com guerras tribais e pouca esperança, mas os monges perseveram em sua missão de preservar o conhecimento para as futuras gerações.
No capítulo final, “Fiat Voluntas Tua” (Faça-se a Vossa Vontade”), chegamos ao ano 3781. E há energia elétrica, internet e naves espaciais novamente nessa época. O mosteiro de Leibowitz não é mais um oásis no deserto remoto, faz parte agora de uma grande metrópole em uma nova nação. É claro que não existem mais os países de antes, e as pessoas não falam as mesmas línguas de hoje. Mas os mesmos comportamentos se repetem, e a ameaça de uma nova guerra nuclear paira no ar.
Essa é a mensagem essencial do romance, a visão do autor sobre os vícios recorrentes da humanidade. O conhecimento preservado a duras penas pelos monges por muitos séculos volta a alimentar as mesmas cobiças e ambições que destruíram o mundo 1500 anos antes. Diante da iminente destruição do mundo (novamente) a Ordem Albertina de Leibowitz decide colocar a Memorabilia em uma espaçonave e despachá-la para uma colônia em um sistema solar distante, levando juntos alguns monges dedicados.
A estupidez humana usa o conhecimento científico para seus propósitos, e depois despreza o saber devido às consequências da própria estupidez. A história se repete em ciclos, e há sempre uma Biblioteca de Alexandria prestes a ser incendiada pelo tirano de plantão.
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