Quarto de Despejo como livro de formação
Como eu disse no artigo anterior, o livro Quarto de Despejo está no hall dos melhores livros que eu já li. Ele tem essa importância na minha vida devido ao seu relato cru, direto e real da fome e do preconceito vivenciado por certas populações que são diariamente inviabilizadas no nosso pais.
O Quarto
Essa obra foi escrita e publicada após a metade da década de 50. Como o próprio subtítulo do livro diz, temos acesso a um relato em forma de diário da moradora da favela do Canindé (atualmente a Marginal Tietê) Carolina Maria de Jesus.
Posso adiantar que desde as primeiras paginas do livro somos “metralhados” por frases contundentes que relatam a pobreza e, consequentemente, a fome enfrentada pelos moradores dessa favela. Trechos como esse (transcritos da forma que está no livro):
Como é horrível ver um filho comer e perguntar: “Tem mais?” Essa palavra “tem mais” fica oscilando dentro do cerebro de uma mãe que olha as panela e não tem mais. – pág 38
Fome no Detalhe
Conforme eu disse acima, o fato mais pungente desse relato se resume em apenas uma palavra: FOME. A cada página temos que lidar com as aspirações e frustrações de uma mãe tentando alimentar os seus três filhos. Relatos como catar comida do lixo, carne estragada, exploração e roubo por parte das pessoas, preconceito e, acima de tudo, a TRISTEZA em decorrência de todos esses fatos.
A pior coisa do mundo é a fome.
Todas essas passagens sobre a fome me causaram uma reação física enquanto estava lendo o livro (coisa que poucos livros conseguiram). Sinceramente, não consigo imaginar o que é passar fome, pois isso nunca me ocorreu. Está ai o ponto porque essa historia foi tão chocante para mim. É uma historia que ainda se repete com milhões de brasileiros ao longo dos anos. É uma historia de sobrevivência. É a realidade. Por vários momentos, fiquei com um nó na garganta somente de tentar visualizar o que a Carolina estava vivendo naquele momento.
Obviamente, a situação atual é um pouco diferente da enfrentada pela Carolina, ou seja, acredito que a situação tenha melhorado um pouco. Contudo, estamos retrocedendo nas melhoras que conquistamos nos últimos anos. Os níveis de desigualdade voltaram a crescer e nós não estamos vendo nenhuma movimentação do poder executivo para melhorar essa situação.
Os meninos tomaram café e foram a aula. Eles estão alegres porque hoje teve café. Só quem passa fome é que dá valor a comida – pág 53
O Brasil precisa ser dirigido por por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo, e nas crianças. – pág 29
Ontem comemos mal. E hoje pior. – pág 120
Preconceito e Marginalização
A expansão da cidade de São Paulo, assim como toda grande metrópole, foi marcada por divisões e marginalizações de algumas classes sociais. As favelas são o grande exemplo dessas marginalizações. No livro, nós temos uma ideia do preconceito que as pessoas que moram nesse locais lidam diariamente.
No sexto andar o senhor que penetrou no elevador olhou-me com repugnância. Já estou familiarisada com estes olhares. Não me entristeço. – pág 111
Apesar de considerar que melhoramos muito de lá para cá, ainda acredito que exista um abismo enorme a ser transposto para chegarmos em uma condição de equidade social. Na minha opinião, as pessoas precisam exercitar um olhar empático para com as outras.
Para encerrar
Como disse no começo desse breve texto, esse livro entrou facilmente para o meu hall de “livros para formação”. Infelizmente eu só fiquei sabendo da sua existência quando ele entrou para a lista de livros para o vestibular da UNICAMP. Na minha opinião, esse livro deveria ser material obrigatório para as crianças em fase de formação.
A Carolina se tornou, para mim, uma das melhores escritoras que eu já li. Vale a pena.
Que esse livro se torne cada vez mais conhecido entre as pessoas.
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