O conceito não é novo, pelo contrário. O livro “QS – Spiritual Quociente”, da física e filósofa norte-americana Danah Zohar em parceria com o psiquiatra Ian Marshal, foi lançado em 2000, portanto há quase 20 anos. Sustentado sobre pesquisas científicas feitas ao longo de uma década nas áreas de neurologia, neuropsicologia e neurolinguística, o livro mostra que o QS é a base para que o QI (Quociente Intelectual) e QE (Quociente Emocional) operem em conjunto, de modo eficiente. Mas o assunto sobre o qual se fala é apenas o QE, ou Inteligência Emocional. Será tabu? Melhor desmistificar.
Espiritual vem do latim spiritualis, que quer dizer, de acordo com Houaiss, “próprio à respiração, relativo ao espírito humano”, portanto, o que dá a vida a um sistema. Ocorre que espiritualidade é confundida com organizações religiosas, sistema de crenças teológicas, opções pessoais. Não se trata de ser agnóstico, ateu, católico, budista ou espírita; trata-se de reconhecer em si a capacidade – ou característica – inerente ao ser humano.
Absolutamente nada contra nenhuma religião ou aceitação de uma realidade metafísica! Apenas um outro enfoque que nos leva a reconhecer essa dimensão interior do ser humano que não vive só para suprir suas necessidades básicas para sobreviver, como os animais. Encontrar um significado, um propósito maior pelo qual viver é natural e nos leva sempre a questionar sobre nossas ações e a buscar uma maneira melhor de executá-las. Mas voltemos às Inteligências. Sim, Inteligências.
No início do século passado, a ideia era a de que o ser humano tinha uma organização neural que permitia pensar de forma lógica e racional – surgiu então o conceito de QI – Quociente de Inteligência, quando testes mediam o nível de inteligência do indivíduo através de qualidades lógicas. Isaac Newton tinha 190; Einstein, 160!
Na prática, no entanto, nem sempre os mais bem-dotados intelectualmente eram os mais competentes para exercerem determinadas funções: gênios tinham, por exemplo, extrema dificuldade para os relacionamentos ou para a vida prática. O conceito de Inteligência Única foi então ampliado para Inteligências Múltiplas (IM) pelo psicólogo e pesquisador americano Howard Gardner, na década de 80, que chegou a oito diferentes habilidades naturais que compunham o conceito. Mais tarde, ampliando para onze.
Foi só em 1995 que o psicólogo Daniel Goleman apresentou o conceito de Quociente Emocional (QE) ou Inteligência Emocional – que dá ao ser humano a capacidade de reconhecer seus sentimentos, lidar com suas emoções e, consequentemente, reconhecer as emoções dos outros criando relações mais saudáveis. E sobre Inteligência Emocional não é preciso falar, porque todo mundo lê, todos os dias, inúmeros artigos sobre o assunto, participa de workshops para aprender a ter IE, discute em grupos. Extremamente importante, sem dúvida!
Voltemos então a falar de QS, a Inteligência que é a base essencial para que todas as outras operem com eficiência – porque vai muito além das capacidades intelectual e emocional ao colocar as ações e experiências num amplo contexto de sentido e valor.
Na década de 90, Vilanu Ramachandran, neurologista, e Michael Persinger, neuropsicólogo, identificaram, através de escaneamentos no cérebro, uma área que se iluminava a cada vez que as discussões giravam em torno de temas espirituais. Nas inúmeras repetições dos testes, identificaram, nas conexões neurais nos lobos temporais, um ponto ligado à necessidade humana na busca do sentido da vida, ao qual chamaram de “o Ponto de Deus”.
Numa sociedade em crise como a nossa, onde o assunto espiritualidade provoca um certo desconforto, vale a pena falar do ponto de vista científico. Segundo Danah Zohar, a Inteligência Espiritual está ligada à nossa necessidade de ter um propósito de vida que usamos para desenvolver valores éticos e crenças que norteiam nossas ações em sociedade. É uma inteligência que nos impulsiona, que transforma nossa vida deixando-a mais rica e cheia de sentido. E encontrar esse sentido mais amplo, para além da sobrevivência, é uma necessidade que sempre esteve presente na história da humanidade; leva-nos a compreender o “sentido de pertencer”, de fazer parte de algo maior ao ampliar a nossa percepção de que somos todos interligados e interdependentes nesse grande círculo de relações em que vivemos, abarcando também o planeta.
É a nossa Inteligência Espiritual, em maior ou menor grau, que nos faz sair em busca da autoconsciência; desenvolver qualidades baseadas em valores como o amor, a compaixão, a capacidade de perdoar, a tolerância, a paciência, a harmonia, a responsabilidade perante o mundo que nos leva a acreditar nas pessoas; que nos dá capacidade para lidar com as adversidades e a capacidade de ir além dos nossos interesses pessoais ao compartilhar nossas ideias.
Desenvolver a Espiritualidade é apenas usar nossa Inteligência Espiritual para transformar o mundo em um lugar melhor, agindo com base em motivações mais elevadas – tomar atitudes a partir do que temos de melhor, a nossa dimensão interior, a nossa capacidade de reconhecermos nos outros a nossa própria humanidade, aceitando a diversidade e nos movimentando para o bem comum.
O potencial está aí, faz parte de todos nós; o que nos falta é apenas recuperar a consciência de que cada um é responsável por si mesmo. E – devido à nossa conexão espiritual – também por todos.
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