09Sim, você leu certo – vagas de emprego são anunciadas com limite de idade cada vez mais baixo. Assim mesmo, acintosamente. A oferta acima estava em post no Linkedin. Ao mesmo tempo, a aposentadoria é empurrada lá para a frente, com valores cada vez menores. Como diria o Professor Raimundo da Escolinha, “e o salário ó…!”
Não se trata de ser contra ou a favor da reforma da Previdência. Trata-se de refletir sobre um problema que, em breve, será social e economicamente grave: ao mesmo tempo em que a expectativa de vida aumenta, o profissional é rejeitado nas organizações cada vez mais cedo, sem perspectiva de emprego.
Este é um assunto sobre o qual posso falar com propriedade, já que 60% dos meus clientes de Coaching pertencem à mesma faixa etária, em busca do mesmo objetivo: profissionais de várias áreas, entre 40 e 50 anos, preparando-se para uma carreira alternativa, pois sabem que logo serão substituídos por mais jovens. No ritmo que vai não duvido que, em breve, a maioria estará fora do mercado aos 45 anos.
Ao mesmo tempo, a vida foi esticada: segundo o IBGE, em 2019 a expectativa, ao nascer, é de 80 anos para mulheres e de 73 anos para os homens – na média, é de 76.3 anos. E a aposentadoria passou para 65 anos. Antigamente aos 60 anos, a perspectiva era aproveitar um pouco mais a vida. Hoje, literalmente virou estatística de pobreza. Aquela imagem do idoso saudável se divertindo, correndo na praia e passeando é uma falácia.
Posso ilustrar com o caso de um conhecido, funcionário de uma empresa, que completou 60 anos em um dia e no seguinte foi mandado embora. O choque foi tão grande que caiu e quebrou o pé. Depois adoeceu. Passou meses sem entender nada. Para quem conviveu com ele seu estado assemelhava-se ao de uma pessoa encarando a morte ao descobrir uma doença séria. Literalmente passou por todos os estágios descritos por Elisabeth Kübler-Ross em seu livro Sobre a Morte e o Morrer: Negação e isolamento; Raiva; Barganha; Depressão e Aceitação. Hoje, ainda abatido, revende tudo que consegue: virou ambulante. Há os que viram motorista ou entregadores de aplicativos; os que se especializam em dar palestras para ensinar o que nem eles conseguiram alcançar; os que viram consultores sem clientes; os que cozinham em casa para vender. A sensação é de morte e acaba em depressão – segundo dados do IBGE, quase 12% da população com mais de 60 anos sofre da doença.
Enquanto no Brasil as empresas descartam os trabalhadores cada vez mais cedo, na Alemanha, onde 21% da população tem mais de 65 anos, as empresas se adaptam para reter os trabalhadores por mais tempo, investindo em ergonomia e tecnologia adaptada, segundo reportagem publicada pela BBC Brasil. A diferença, além de cultural, é que aqui ninguém está preparado para envelhecer – nem as pessoas, nem as famílias ou o governo.
Os dados que antecipam um futuro que se desenha crítico, são claros:
- Hoje as pessoas acima de 60 anos representam 10% da população. Em 2025 serão 64 milhões e, em 2060, serão um em cada 3 brasileiros, de acordo com o IPEA. Segundo a OMS o Brasil será o 6º país do mundo em número de idosos.
- Em virtude do avanço da medicina, da tecnologia, e das mudanças culturais, até 2050 teremos uma inversão da pirâmide social, segundo o IBGE – 32% da população será de idosos e 15% de crianças. Dados confirmados por estudo da PwC Brasil, que mostra em 11 anos uma população com mais idosos que crianças menores de 10 anos.
- Até 2040, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Aplicadas), metade da força de trabalho no Brasil terá mais de 50 anos.
- Os gastos do SUS com o envelhecimento, hoje em 45 bilhões, poderão atingir 115 bilhões por ano em 2030. Atualmente 70% dos idosos dependem do sistema público.
- O rendimento com aposentadoria e pensão é de 1670 reais em média.
Poderia continuar aqui citando dados e mais dados que podem nos levar, ou aos nossos descendentes, ao caos. A verdade é que o envelhecimento saudável deve ser preocupação de toda a sociedade. Questão de consciência, já que envelhecer faz parte da vida. E se a população mais velha aumenta, é necessário que os preconceitos sejam superados e surjam novos modos de vida inclusiva – não há nada, absolutamente nada, que justifique a crença de que a idade torna o ser humano improdutivo, incapaz de contribuir com a sociedade. Acredite, ainda que o corpo envelheça, dentro de cada um existe um jovem ansioso por continuar a viver, realizar, contribuir, devolvendo ao mundo tudo que recebeu e aprendeu.
A pergunta que faço é: quando o idoso for você, como quer ser tratado?
Vale a pena, se ainda não viu, assistir ao filme de Nancy Meyes, Um Senhor Estagiário, de 2015, com Robert de Niro e Anne Hathaway, sobre um viúvo de 70 anos que descobre que a aposentadoria não é exatamente aquilo que pensava e volta à ativa como estagiário Sênior de um site de moda. No mínimo instrutivo sobre os sentimentos da maturidade.
Virou moda falar de longevidade, senioridade, inclusão, maturidade. Moda. Mesmo porque ninguém tem solução nenhuma para apresentar. Muitas vezes parece mais um remédio para dor de cabeça que pretende curar um câncer. Não deve ser cura, mas cultura.
O que incomoda é o modelo quase assistencialista que se desenha – o que precisa ficar claro é que nenhum sênior precisa de assistencialismo porque ele chegou até aqui com muitas realizações e um legado: reconhecer suas capacidades e seu potencial vivo, é questão de justiça social. Contratar, ou manter, pessoas com mais idade é obrigação e não propaganda para ser comemorada em rede com elogios de “Que lindo! Tal empresa tem uma vaga sênior!”
Aliás, pesquisa Towards a Longevity Dividend mostra que existe relação direta entre longevidade e produtividade no trabalho. Tendo superado fases da vida que exigem outro tipo de atenção, como estudar ou criar filhos, o ser humano maduro consegue se comprometer mais com o trabalho, é mais rápido e mais seguro ao tomar decisões. Experiência é fundamental na vida e o aprendizado é contínuo, independente da idade.
Embora 9 em cada 10 empresas no Brasil acreditem que pessoas com mais de 50 anos têm mais equilíbrio emocional, apenas 11% delas possuem programas de contratação de profissionais maduros. Ah! E um detalhe importante: estudo do Serasa Experian de 2018 afirma que uma empresa tem 24% mais chance de ser saudável se tiver sócios com mais de 60 anos. Para completar, dê um Google! Você verá que o mercado da 3ª idade é o que mais cresce em quase todos os setores.
Enfim, você que está lendo este artigo pode ser uma das pessoas “seniores” que busca emprego, ou pode ser um jovem executivo de uma empresa que prefere manter-se à parte na resolução do problema. Ou não. Pode ser alguém disposto a entender que colaboradores jovens não excluem os mais maduros: o equilíbrio está na soma, onde um aprende com o outro para uma organização e uma sociedade saudáveis. E começar o futuro agora.
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