No fim de dezembro, os feeds de notícias ficaram saturados pelos compartilhamentos de uma postagem de marca de cosméticos contendo uma mulher negra de biquíni com celulites à mostra.
Apesar de a imagem estar longe de ser original, é relativa novidade que a indústria da beleza se preocupe em divulgar imagens de corpos minimamente coerentes com a realidade. Eis a dinamicidade capitalista: o mercado é adaptável às demandas. Muitos nomes souberam se apropriar do desejo de desconstrução de ideais de aparência vigentes, posição em destaque desde a primavera feminista. Adicionalmente, muitas dessas empresas ganharam visibilidade devido aos elogios segmentos liberais dos movimentos.
Tais concepções, a serviço do capital ou não, refletem a incongruência do real com o (nem tão) antigo modelo estético, inevitavelmente fadado à falência. O que é feito para atrair um nicho consumidor é um dos sintomas da insustentabilidade dos padrões de ser.
Mas, haveria vitórias no microcosmo ou novidades transformadoras de épocas? A representatividade mostra-se insuficiente, as ficções midiáticas alienantes compõem os processos de subjetivação de todos, sendo especialmente tóxicas para mulheres, pessoas negras, trans, gordas e/ou pobres. Quanto aos costumes relacionados à vaidade, são naturalizadas as mutilações, cirurgias e despesas demasiadas. O processo de gostar da própria imagem não é consequência delas, mas por diversas vias, um alvo cruelmente bombardeado.
Assim, cada episódio empoderador é passível de comemoração. Obviedades, infelizmente não redundantes, devem ser ressaltadas: corpos são de todos os tamanhos e cores; apresentam assimetria, odores, secreções, texturas, gorduras, estrias, celulites, espinhas, manchas, cicatrizes, pelos…
As constituições físicas, em suas autenticidades, são as materialidades no mundo, o intermédio de cada ser com o exterior. A elas devemos todas as experiências sensoriais, cada alimento saboreado, música ouvida, paisagem vista, orgasmo atingido.
Cuidar do corpo é um dos caminhos para a merecida paz com ele. Essa prática, diferente do modista “autocuidado” simpático ao status quo, consiste em promoção de saúde. Exemplos de ações caras são, conforme a viabilidade de cada rotina, dormir uma quantidade de horas diárias próximas a sete, manter a alimentação saudável (incluindo a ingestão do que gosta), entrar em contato com o sol com proteção e praticar atividades físicas – o hábito aumenta a disposição e a imunidade, diminui o estresse, melhora a postura e fortalece as articulações.
Os ambientes virtuais e físicos, ademais, são variáveis relevantes aos encaminhamentos. Nem toda toxidade é evitável, entretanto, vale deletar das redes sociais os perfis que obstaculizam desenvolvimentos e ignorar/rebater falas contraproducentes. Outra benevolência é a evitação ativa de comparações com terceiros – elas nem ao menos fazem sentido, afinal, são entre diferentes sujeitos.
Por fim, vale a reflexão a respeito do tempo e do esforço em encaixar-se em padrões já desmascarados, ou estar bem apesar deles. Como seria mais bela, criativa e simples a vida livre da ditadura em que estamos inseridos. Pensemos em tudo o que faríamos quando desprovidos de pressões estéticas. Pois façamos desde agora.
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