“Agora que você está nesta situação, não prefere mudar para uma área mais tranquila?”
Essa foi a pergunta que a minha amiga ouviu do chefe. A “situação” era a gravidez recém-descoberta.
Enquanto me contava a história toda, inclusive de uma forma muito calma, só conseguia pensar no que poderiam ter dito ao marido dela. A resposta (nada surpreendente) foi um efusivo “Parabéns”!
Lembrei da colocação da Ana Cristina Staudt e Adriana Wagner, no artigo “Paternidade em tempos de mudança”, que elucida sobre a desresponsabilização paterna diante dos cuidados e envolvimento com os filhos: “Esse processo, que nem sempre é consciente, é compartilhado e até mesmo incentivado pelas próprias mulheres e sociedade em geral […], com base em uma lógica em que tudo parece natural e legítimo”.
Ou seja, a responsabilidade é parental e os deveres familiares devem ser repartidos em iguais proporções, porém não é isso que é ensinado ou compartilhado no dia-a-dia. Ainda, nos valemos das construções de papéis sociais – extremamente – tradicionais de que é a mulher que tem obrigação para com o lar e os filhos.
O Instituto Europeu para Igualdade de Gênero confirmou, por meio de um relatório disponibilizado em 2014, que a principal razão para a saída da mulher do mercado de trabalho é a divisão desproporcional dos deveres domésticos. Por exemplo, se um casal possui filhos pequenos, a probabilidade de a mulher seguir na carreira é de 67% e, no caso dos homens, é de 92%.
Isso reflete na licença-maternidade e, consequentemente, na própria licença-paternidade. Estima-se que 100% das mulheres ficam todo o período estipulado, contra apenas 38,2% dos homens. Já, no caso das mães solteiras, a probabilidade de entrarem na linha de pobreza pela falta de ajuda ou inserção social é de 45,1% (Instituto Europeu para Igualdade de Gênero, 2014).
No Japão, a licença-paternidade é pouquíssimo aproveitada. Em 2017, apenas 5.4% dos homens tiraram a licença, mesmo com a campanha de incentivo do governo japonês. Em 2020, entretanto, teremos um caso paradigmático: pela primeira vez, um ministro japonês (Shinjiro Koizumi) pedirá afastamento por causa do nascimento do filho.
Devemos acrescentar, que a divisão não é desigual pela preferência de a mulher exercer tal papel. Afere-se que 71% das japonesas entre 15 e 64 anos tenham empregos remunerados e, mesmo assim, o homem japonês é o que menos faz tarefas domésticas quando comparado a qualquer outro país desenvolvido (OCDE, 2018). Existem relatos de homens que tiraram licença-paternidade e a usaram unicamente para diversão!
Portanto, a gravidez tornou-se um ônus/dever – quase e se não – exclusivo da mulher. Há muito tempo.
A mesma lógica é para os casos de adoção.
Com relação aos deveres para com os filhos, poucos são os pais, por exemplo, que marcam – por iniciativa própria – médicos para os filhos, compram roupas novas conforme a necessidade ou sabem qual é a próxima vacina de que necessitam. E, ironicamente, uma das justificativas é devido a incompatibilidade para com o trabalho.
Mas o que fazer quando as mulheres estão se inserindo cada vez mais no mercado de trabalho? Ou quando o pai é solteiro/viúvo? Ou quando se trata de relacionamento homoafetivo? Ou das novas formas de unidades familiares?
Devemos seguir com os mesmos padrões de comportamento? Seguir com a prerrogativa social de que a licença-maternidade é de 120 dias para as mulheres e de apenas 5 dias para os homens no Brasil? Se muito, aos participantes do Empresa Cidadã, 180 e 20 dias, respectivamente.
Analogamente, impulsionamos a teoria de que a maternidade é sinônimo de custos para a empresa e onera a economia do país, mesmo quando há uma necessidade social de procriação constante. Vemos inúmeros casos na Europa, como na Dinamarca, com a campanha “faça sexo pelo país” dada a baixa natalidade e a tamanha importância coletiva (até mesmo previdenciária).
Seria, portanto, justo impor (exclusivos ou majoritários) custos profissionais, sociais, etc. às mulheres? Na Dinamarca ou em qualquer país?
Lamentavelmente, é isso o que acontece. A Equality and Human Rights Commission (2015) apontou que aproximadamente 54.000 mulheres, por ano, são forçadas a sair do trabalho depois de terem filhos e sem motivos proeminentes.
Vale ressaltar que o Brasil, diferente de muitos países (Laos, Cambodja ou Brunei), cumpre o sugerido pela Organização Internacional do Trabalho, com o período de licença e estabilidade. Contudo, pergunto, por que ainda é o sugerido separações tão discrepantes nas licenças parentais, especialmente por uma organização internacional?
Por óbvio, a resposta mais simples é porque a mulher gestante tem maiores desgastes físicos e psicológicos, necessitando de cuidados especiais.
Entretanto, a Suécia já percebeu que esse sistema não funciona, uma vez que a sociedade se transformou e os papéis sociais foram repensados. No país, a licença é parental e soma um total de 480 dias – isso mesmo. São 90 dias obrigatórios para cada um dos pais (desde o nascimento ou adoção, abarcando também as relações homoafetivas) e o restante do tempo é dividido da maneira que o casal preferir!
É muito comum encontros de pais nos parques, para compartilhar história e dicas sobre a paternidade!
Incrível, né? E os benefícios dessa medida são inúmeros!
Segundo o relatório “O Novo Pai: Peça Licença”, exposto no site oficial da Dove, os laços formados durante a licença-paternidade melhoram a habilidade do pai em assistir seus filhos, pois dá a sensação de confiança como provedor de cuidados. Além de que as crianças cujos pais saíram em licença demonstraram um desempenho melhor na escola (Universidade de Oslo) e possuem melhores notas cognitivas e saúde mental (OCDE).
Sem contar que o balanceamento de responsabilidades familiares previne o esgotamento emocional e físico e não gera ônus excessivo – de alguma parte especifica – para o mercado de trabalho. Foi demonstrado em países que adotaram igualdade de licenças que há melhora e perpetuação das mulheres na carreira!
Na Finlândia, onde há um governo liderado em sua maioria por mulheres, aprovaram uma medida para igualar as licenças maternidade e paternidade em sete meses! Buscando, desse modo, aumentar a taxa de natalidade e aprimorar as divisões de custo social (!!!).
No Brasil, apesar das suas políticas públicas não beirarem a excelência, existem algumas soluções para a licença-paternidade no setor privado. Sucede que as empresas estão oferecendo licenças maiores do que as previstas em lei, como acontece em empresas como a Natura, a Johnson & Johnson, o Facebook, o Twitter e o Spotify.
A gerente de RH do Spotify (sueca), Katarina Berg, revelou o porquê da ação: “A cultura de trabalho sueca enfatiza o equilíbrio saudável entre o trabalho e a família, igualdade de gênero, e a habilidade de cada pai de passar tempo de qualidade com as pessoas que mais importam em sua vida”.
Temos que “importar” costumes que funcionem para a – nova – realidade e que tenham obtido resultados sociais positivos. Seja através de empresas e suas escolhas privadas, seja por meio de políticas públicas. Todos podem cooperar.
Por isso, atenção!! Saiba que VOCÊ está grávida/grávido/grávide.
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