Para o dia internacional da mulher, resolvi escrever este artigo em um formato diferente. Óbvio que proporei uma reflexão (não consigo evitar!), mas com poucos dados científicos e teorias.
Quero bater um papo a partir de uma pergunta que as mulheres sempre me fazem, seja quando estou saindo de uma palestra, seja nas minhas redes sociais ou entre amigos:
“O que fazer quando descobrimos que não nos amamos de verdade?”
Acredito que nesse momento – e posso confirmar que são todas as vezes -, olho para os lados tentando encontrar as psicólogas do Projeto Impacto Mulher, em busca de uma resposta rápida ao questionamento.
Enquanto não avisto ninguém, vários pensamentos passam pela minha cabeça, como por exemplo, será que eu esqueci de mencionar a minha formação? Pois, definitivamente, não estudei psicologia e nem filosofia.
Segundo, será que eu consigo argumentar com uma criança de 12 anos ou a uma mulher bem mais experiente que eu, sem frustrá-las?
Antes de perceber, respondo perguntando: “por quê?”. E as razões declaradas são as mais diversas, todas as vezes também.
Internamente, concluo que: se inúmeras são as razões para alguém deixar de se amar, as respostas ou soluções também deveriam ser as mais variadas, certo? Provavelmente compatíveis com o perfil, situações intrapessoais e interpessoais, momentos de vida, entre outros.
Contudo, na maioria das vezes, as pessoas prosseguem a exposição baseando-se em uma única razão: o corpo físico. “Algo é muito grande”, “é muito pequeno”, “não é do jeito que deveria ser”, etc.
“O que deveria ser então?” – indago.
Nesse momento, eu entendo tudo… E essas mulheres têm a total razão de se sentirem assim. Eu me sinto assim.
O amor “de verdade” – por si – é difícil demais de existir.
E o motivo é porque a sociedade não enaltece quem somos, mas, sim, quem deveríamos ser. Nós somos absorvidos por um modelo de comparação social preconcebido, um padrão de beleza que não representa a sociedade e a sua pluralidade – tudo aquilo que torna alguém único.
Como amar a si mesmo, quando você não é representado pelas principais mídias e publicidades?
Não conhecemos o ditado popular: Você não pode ser o que não pode ver?
A pesquisa da empresa Unilever/Dove (2019), em parceria com a Getty Images e Girlgaze, confirmou que 76% das mulheres não se sentem representadas nas imagens que vêem cotidianamente, sendo que 79% delas não se consideram parecidas com essas mulheres.
Sabe o pior? A consequência que isso traz.
As indagações a que me referi no início do texto foram formuladas por mulheres das mais diferentes idades e etnias e a pesquisa citada corrobora: 83% das brasileiras afirmam que sentem pressão da mídia e da publicidade para se adequarem a padrões de beleza inatingíveis que geram ansiedade e outros transtornos mentais.
Estamos mexendo com a saúde das mulheres, há muito tempo. Quando deixamos pessoas doentes ou infelizes por não se amarem o suficiente, tiramos parte do poder que elas teriam. A confiança em quaisquer projetos que anseiam.
Com relação a relacionamentos: 48% das mulheres não se sentem confortáveis consigo mesmas na hora do sexo, 33% delas já deixaram de sair com o namorado por não se sentirem bonitas o suficiente e, pasmem, 71% delas já deixaram de comer o que queriam quando o “crush” estava na mesma mesa, porque podiam achá-las “feias” (Heinz, 2020)!!
No mercado de trabalho é ainda mais sério: 25% das mulheres acham que a falta de confiança por seus padrões de beleza afeta diretamente suas promoções e entrevistas de emprego.
Sem contar o tamanho do impacto no espectro individual, porque 46% das brasileiras acham que mulheres magras são mais felizes e que 55% delas gostariam de acordar mais magras (Ambulatório de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).
Portanto, se as mulheres “reais” não são representadas na mídia, quem estamos representando? Quem definiu o que é melhor a ser representado? Como podemos permitir que aspectos físicos determinem a felicidade? Pensemos.
É um controle social baseado na aparência, em que esquecemos completamente a “beleza” interna dos indivíduos e seus potenciais de construção para a sociedade. Como observamos na música da Beyoncé, Pretty Hurts (tradução livre): “Mostramos o que temos de pior/ A perfeição é a doença da nação/ Você tenta consertar algo (físico)/ Mas você não pode consertar o que não pode ver/ É a alma que precisa de cirurgia”.
A autoestima e o amor-próprio devem estar atrelado ao seu conjunto de fatores que fazem você ser você. Cada um com a sua beleza física, conjuntamente, com a sua beleza interna, de forma que o amor verdadeiro seja simples e inevitável.
Se isso não era possível no passado, hoje podemos. Graças às mulheres que lutaram antes de nós e que nos conferiram múltiplos direitos, como o poder de refletir, debater, ter voz ativa, de ser resistência e mais, o de ser um grande mercado consumidor – fruto do nosso trabalho.
Ou seja, se podemos visualizar e conceber os padrões de beleza que nos foram impostos, podemos também contestá-los e modificá-los conforme a nossa realidade.
Devemos verificar quem nos inspira: as marcas, as empresas, as mídias e as publicidades que consumimos. Podemos nos resguardar de tudo aquilo que considerarmos tóxicos, com o auxílio de processos terapêuticos e de autoconhecimento. Ressignificando o amor, reaprendendo.
Esse é o nosso oito de março. Uma pequena conquista dentre as outras que ainda vamos conseguir.
Essa é a nossa reação e resposta a um amor tão difícil de ser conquistado para todos, mas ainda mais difícil para as mulheres.
Sermos somente nós, cada uma com a sua raridade, estando em seu estágio de maior potencial para ser possível a transformação da coletividade.
** É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O Jornal 140 não se responsabiliza pela opinião dos autores deste coletivo.