Escrevo esse artigo após assistir o ultimo quadro “O Grande Debate” da CNN Brasil, protagonizado pela Gabriela Prioli (mestre em direito penal) e pelo Tomé Abduch (empresário). O tema de hoje era a questão da liberação de presos devido a crise do Covid-19.
Um panorama sobre a situação carcerária no Brasil
Todos nós sabemos que essa crise do Covid-19 está apenas começando no Brasil. Um dos aspectos mais importantes de prevenção é fomentar o isolamento social, a fim de garantir que o sistema de saúde tenha mais tempo para atender a população que, inevitavelmente, ficará doente. Tendo esse panorama em mente, está se levantando uma grande questão no mundo inteiro sobre os perigos de se ter uma grande população carcerária, ainda mais colocando na realidade do Brasil, que não temos a mínima estrutura para atender e ressocializar as pessoas que estão presas.
Por que isso representa um problema? Bom, primeiramente, temos mais de 750 mil pessoas presas no Brasil (entre regime fechado, semiaberto, provisório e aberto). Dentro das penitenciárias, essas pessoas que estão privadas de sua liberdade são submetidas a condições subumanas de tratamento como, por exemplo, a falta de uma alimentação apropriada e a superlotação desses espaços. Pensando principalmente nesse ultimo ponto, a questão do Covid-19 representa uma bomba-relógio na mão do estado, pois, mesmo que sejam limitadas as visitas, há ainda pessoas trabalhando dentro desses espaços.
Em resumo: Pensar em um plano de ação para lidar com essa população carcerária é mais do que necessário, afinal, trata-se de um ambiente propício para esse tipo de pandemia e, mesmo descontando o ponto de vista humanitário para com as pessoas em situação de encarceramento, ainda teremos que olhar para as pessoas que trabalham nesses espaços.
Cidadão de Bem
Em uma linhas argumentativas do debate, a sugestão é focar os nossos esforços durante essa crise para tratar as chamadas “Pessoas de Bem”. O que seriam essas “Pessoas de Bem”? Bom, não sei ao certo afirmar. Contudo, se fomos pegar a linha neoconservadora, estamos falando de pessoas cristãs e acima de todo mal. Porém, temos inúmeros exemplos na historia recente de que sempre que uma pessoa se apresenta como “Cidadão de Bem”, devemos desconfiar. Digo isso baseado em dois fatores:
- Trata-se de uma posição arrogante, que separa as pessoas entre “do bem” e “do mal”. Sempre colocando a pessoa que está apontando o dedo como “do bem”, é claro;
- Essa dicotomia é extremamente toxica para as relações em sociedade;
Em alguns momentos do debate, além dessa questão que as pessoas de bem devam ser priorizadas, inclusive expondo uma situação hipotética de que, caso tenha que ser feita uma escolha entre uma pessoa “de bem” e um preso, obviamente a escolha deve ser feita a favor da pessoa “de bem”. Interessante notar o quão simplista e dissonante é esse discurso, afinal, estamos falando de uma linha narrativa majoritariamente cristã. Será que isso está realmente de acordo com o cristianismo? Acho que não.
Outro ponto interessante é ver o desprezo de alguns grupos perante a população carcerária. Em diversos momentos do debate, foram feitos comentários como se os presos não fossem parte da população brasileira.
Obviamente eu não estou defendendo pessoas em situação de cárcere (como muitos podem pensar), contudo, da perspectiva de direitos humanos e da empatia, é necessário um olhar cuidadoso sobre essa questão. Além disso, ninguém está propondo a soltura de presos considerados perigosos.
O preconceito das elites
Um ponto que me chamou bastante atenção durante esse quadro foi a seguinte fala proferida por um dos lados:
”(…) pessoas que estão em locais simples, que tem tendência a cometer crimes, podem estar saindo para assaltar casas”.
Primeiramente que essa fala é carregada de preconceito em relação as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade. É simplesmente estarrecedor uma pessoa que associa a pobreza ao crime, tudo isso de forma bastante automática e natural. Isso demonstra o grande problema de colocar pessoas sem consciência social no poder.
Discursos como esse, de preconceito e ojeriza, só servem para perpetuar um sistema de exploração e preconceito, onde as pessoas não estão preocupadas com o bem estar social, mas sim em explorar e, ao mesmo tempo, manter distancia do explorado.
Além disso, a fala acima deixa claro que a preocupação não é com o fato da justiça estar sendo feita ou não, mas sim o medo da perda da propriedade privada. Em resumo: Trata-se de um discurso hipócrita e cruel.
Logicamente há pessoas em posição de poder que tem uma consciência social incrível (conheço muitas delas), contudo, infelizmente, ainda não trata-se de uma realidade para todos.
Novas linhas de pensamento
É evidente que essa crise ocasionada por essa pandemia vai suscitar muitos debates em relação ao nosso modo de vida. Uma consequência disso é que as dificuldades, preconceitos e exclusões em relação as pessoas que vivem em vulnerabilidade social irão ficar escancaradas.
Encerro com um trecho do livro “A Elite do Atraso” do Jessé Souza que vai ao encontro dessas discussões:
** É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O Jornal 140 não se responsabiliza pela opinião dos autores deste coletivo.”Efetivamente, adornado com o prestigio científico da noção de populismo, o desprezo secular e escravocrata pelas classes populares ganha uma autoridade inaudita e passa a ser usado com pose de quem sabe muito. Juntas, a demonização da politica e do Estado e a estigmatização das classes populares constituem o alfa e o ômega do conservadorismo da sociedade brasileira (…)”.