O título acima é do livro do economista alemão, Otto Scharmer, extremamente apropriado para o momento disruptivo que estamos vivendo: o mundo jamais será o mesmo após a crise em que estamos. A hora é agora.
Autor da Teoria U e coautor de Presencing, Scharmer é também professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e desenvolve pesquisas com Peter Senge, entre outros. Seu livro não é novo (2013) mas parece ter sido escrito sob encomenda para o agora. Ele parte da análise do modelo quase caótico da modernidade (pré Covid19!!) que criamos e propõe uma renovação pessoal, social e global. Falar disso até há pouco tempo era difícil em muitos lugares onde tentei, mas hoje podemos sentir que alguma coisa está muito errada e que é preciso mudar – e Scharmer propõe uma transformação a partir do lugar interior de onde operamos.
Ou seja, o princípio da mudança proposta requer a expansão do foco da cabeça para o coração, numa transição da conscientização egossistêmica para a conscientização ecossistêmica, que considera o bem-estar de todos – palavras e conceitos criados por ele, lembrando que o prefixo eco, que está também em economia, vem do grego oikos, que quer dizer “a casa toda”.
E o que é a casa toda? Para nós, mais de 7 bilhões de pessoas, é a Terra, e precisamos cuidar dela. Veja meu artigo Somos Um e compartilhamos a mesma casa. A Terra.
“Precisamos suspender nossos julgamentos, redirecionar nossa atenção, deixar ir o passado, aceitar o futuro que emerge por meio de nós e deixá-lo vir.” Scharmer
Nessa frase está a competência mais importante do líder nesse momento de disrupção: deixar ir o passado e aceitar o futuro que está mudando numa velocidade nunca imaginada.
Sintomas da patologia
Se hoje o cenário está difícil, antes não era diferente – só não era visto por todos, nem sentido em todas as classes sociais. Muitas vezes, ignorado. Mas os sintomas da patologia eram claros e Scharmer os classifica em três divisores:
O ecológico – utilizamos muitos mais recursos do planeta do que ele é capaz de regenerar
O social – mais de 2 bilhões de pessoas no mundo vivem abaixo da linha da miséria
O espiritual-cultural – o distanciamento do nosso verdadeiro EU, que leva a doenças mentais e suicídios.
Scharmer, como economista, faz uma análise crua do capitalismo sem desmerecer suas vantagens; bem como aponta centenas de problemas decorrentes desse modelo com clareza e inúmeros exemplos. Para ele, as desconexões que causam os sintomas que mostram que algo não vai bem, são 8:
1) Economia financeira x economia real
2) Crescimento infinito x recursos finitos da Terra
3) “Os que têm” x “os que não têm”
4) Liderança Institucional x pessoas
5) Produto Interno Bruto x bem-estar
6) Governança x “sem-voz”
7) Formas de posse reais x melhor utilização da propriedade
8) Tecnologia x necessidades sociais reais
Quem sofre com as Externalidades?
Quando analisa as Externalidades Positivas e Negativas da Economia – efeitos colaterais inesperados infligidos a terceiros ou custos não incluídos nos preços – Scharmer observa que, tanto na sociedade quanto nas organizações, as externalidades positivas tendem a fluir para o topo da pirâmide, e as negativas, para a base. Ele não se prende à teoria: ilustra com dezenas de exemplos mundiais.
Existe solução? Para ele trata-se de uma mudança de mentalidade – hoje, mind set – pois, citando Einstein “não podemos solucionar os problemas com o mesmo tipo de mentalidade que os criou”.
“Uma mudança disruptiva afeta não apenas o nosso mundo exterior, como também o nosso eu interior. Momentos como esse desestabilizam subitamente o nosso mundo. Eles podem ser aterrorizantes, mas também constituem um grande espaço vazio que pode ser preenchido de duas maneiras: congelando e retornando aos padrões do passado ou nos abrindo para as mais elevadas possibilidades futuras: aceitar, perceber e concretizar o futuro que emerge.”
Consciência é o princípio do caminho. Ou autoconsciência, já que a qualidade dos resultados produzidos por qualquer sistema depende da qualidade da conscientização dos participantes que operam este sistema.
Portanto, para Scharmer, a liderança – dos outros e de nós mesmos – se dá a partir da consciência.
Esse foi o ponto de partida para a Teoria U que vem sendo, desde que foi desenvolvida, aplicada em organizações de porte, às vezes com sucesso, outras nem tanto, já que o processo de aprendizagem é diferente para cada player.
Impossível reunir aqui toda a teoria de Scharmer, mesmo porque ele entra em conceitos completamente novos para muitas pessoas. Vou apenas dizer o conceito geral, para despertar sua curiosidade.
Os 5 princípios básicos da Liderança
1) uma nova tecnologia social baseada em três instrumentos: a mente aberta (acessar o QI), o coração aberto (desenvolver o QE), a vontade aberta (Inteligência espiritual)
2) a ferramenta mais importante é seu EU: o reconhecimento de que não somos um, mas dois – quem eu sou, resultado da jornada, e quem EU posso me tornar
3) o trabalho interior é encontrar e dominar três inimigos: a Voz do Julgamento, que bloqueia a mente aberta; a Voz do Cinismo, que bloqueia o coração aberto; e a Voz do Medo, que impede de ser quem é.
4) entender que a Teoria U é um campo aberto e vivo, não linear: a dança acontece de acordo com a situação – observar, sentir (se conectar), permitir o interior emergir e, então, agir de imediato.
5) a ascensão do espaço social de emergência e da criação está conectada à transformação do espaço social da destruição: ambas são partes do mesmo processo evolutivo.
A Teoria U
Scharmer acentua, inicialmente, os esforços que é preciso despender para mudar o nível de atenção: como fazer para mudar o “eu” e o “nós” que permitam uma mudança mais ampla em todo o sistema. Todo o roteiro prático para realizar essa guinada “interior coletiva” é resumido em cinco itens principais, tendo como base a figura simbólica do U, começando pelo lado superior esquerdo e descendo, para ascender novamente do lado direito:
1. Coiniciar: ouvir, olhando para fora, dialogar, olhando para o outro, e conectar
2. Cossentir: formar equipes comprometidas e reflexivas, esclarecer e se comprometer com o fazer; criar jornadas de aprendizagem, suspendendo a voz do julgamento, praticar e conectar-se
3. Co-presencing: deixar ir o que deve morrer lidando com a resistência; deixar vir o futuro que quer emergir; silenciar; seguir a jornada acessando a fonte mais profunda; criar para todos círculos de presença.
4. Cocriar: prototipar um dicionário para explorar o futuro na prática; formar grupos que queiram mudar o mundo; esboçar microcosmos estratégicos onde novas ideias possam nascer; integrar cabeça, coração e mãos.
5. Codesenvolver: Desenvolver conjuntamente ecossistemas de inovação conectados e que se renovam a partir do todo emergente, com infraestrutura de inovação – um lugar seguro para autodesenvolvimento e desenvolvimento da consciência coletiva.
Uma visão complementar
Claro que é bem mais complexo – e simples – que isso! Os livros de Otto Scharmer estão aí há anos e não acredito que não tiveram AINDA a atenção que merecem. Mas o conhecimento vale, e o interessante, que me levou a escrever sobre isso, foi a participação em uma live do programa Re Startse, da Startse: Como liderar em um mundo digital e imprevisível, com Andrea Iorio, autor e ex-executivo do Tinder, Groupon e hoje, L’Oreal.
Para Iorio, a liderança que nos trouxe até aqui não é a que vai nos levar adiante e compara a trocar o motor do avião em pleno vôo, onde cabe aos líderes (piloto) a coragem para mudar a receita e criar um ambiente para dar liberdade e segurança. Como continuar voando enquanto se troca o motor?
O que chamou a atenção em sua fala, no entanto, foram os 3 eixos de transformação do líder colocados por ele:
A transformação cognitiva, ou como aprende e toma decisões: ter a mente de iniciante para pensar no novo sem julgamentos; ter o radar no futuro, não olhando para o passado e desenvolver a flexibilidade cognitiva trafegando por várias áreas do conhecimento incluindo a diversidade de ideias.
A transformação comportamental ao aceitar o erro para encontrar o acerto, assumindo os riscos pelas perdas, dando o reconhecimento pelos ganhos, de modo que todos sob sua condução participem sem medo de serem reprimidos.
A transformação emocional ao reagir diferente a partir da Inteligência Emocional, Intelectual e o que ele chama de Inteligência do Amor – e não um líder robô. Um líder vulnerável, que não se distancia e gera aproximação e empatia, criando um círculo de segurança. Trabalha com propósito.
Conclusão: Precisamos de uma pandemia para ouvir coisas que já estavam aí e fazer nascer um pensar diferente para transformar o nosso mundo neste momento de caos.
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