Enquanto para algumas mulheres a sua casa é um lugar seguro e protegido, para outras é sinônimo de ciúmes excessivo, possessividade, medo, ameaças, agressões, violência e até morte. Com o isolamento social imposto pelas autoridades, muitas mulheres estão sendo obrigadas a conviverem 24 horas com seu maior inimigo: seu próprio agressor.
A quarentena é essencial para conter o avanço do coronavírus. Disso não há dúvidas e todo o mundo está demonstrando que essa é uma das medidas mais eficazes contra a doença. Porém, precisamos falar sobre e, proteger, essas mulheres sujeitas a violência dentro do seu próprio lar.
A China, primeiro país a identificar a COVID-19 em seu território e decretar isolamento social, constatou o aumento de casos de violência doméstica. Acredita-se que houve três vezes mais denúncias de vítimas do crime durante o período de isolamento.
No Brasil, o crescimento do número de denúncias também começou. Em uma semana aumentou em quase 9% o número de ligações para o canal de queixas de violência contra a mulher, o Ligue 180, e quase 18% o número de denúncias registradas. Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), a média diária entre os dias 1º e 16 de março foi de 3.045 ligações recebidas e 829 denúncias registradas, contra 3.303 ligações e 978 denúncias entre 17 e 25 deste mês. Isso sem contar o número de registros dos aplicativos de denúncias.
A tendência é seguida também nos estados brasileiros. No Rio de Janeiro, por exemplo, segundo o Instituto Patrícia Galvão, organização feminista de referência nos campos dos direitos das mulheres e da comunicação, houve crescimento de 50% nos casos de violência doméstica durante o período de isolamento por conta da pandemia de coronavírus. O mesmo aconteceu em Curitiba, onde as delegacias de plantão tiveram aumento no número de casos de violência doméstica no primeiro fim de semana de isolamento. Em Recife, de acordo com a 1ª Delegacia Especializada da Mulher de Santo Amaro, também se percebeu aumento no atendimento da violência doméstica com solicitação de medidas protetivas.
Em Santa Catarina o cenário foi diferente: segundo informações da Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMI), os índices de criminalidade, incluindo furtos, roubos e violência doméstica, reduziram em 65% na última semana, desde que foi decretada situação de emergência em todo o Estado, restringindo a circulação de pessoas nas ruas. Entretanto, isso não significa que as agressões pararam de ocorrer. Elas só pararam de ser notificadas, porque vítimas e agressores convivem a todo o tempo juntos, dificultando as denúncias.
Entretanto, há uma explicação. A ONU Mulheres elaborou um documento sobre os possíveis impactos da crise gerada pela COVID-19 para as mulheres, que são diferentes em relação aos dos homens. De acordo com o documento: “em um contexto de emergência, aumentam os riscos de violência contra mulheres e meninas, especialmente a violência doméstica. As sobreviventes da violência podem enfrentar obstáculos adicionais para fugir de situações violentas ou acessar ordens de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento em quarentena. O impacto econômico da pandemia pode criar barreiras adicionais para deixar um parceiro violento, além de mais risco à exploração sexual com fins comerciais”.
A violência doméstica sempre existiu, mas está aumentando. E o que poderia ser feito para proteger essas mulheres, já que sabemos que o isolamento social é necessário? Como solução, a ONU Mulheres recomenda que o governo garanta continuidade dos serviços essenciais para combater a violência contra mulheres, desenvolvendo novas modalidades de prestação de serviços no contexto atual. Ainda de acordo com a organização, uma solução seria dar assistência as organizações especializadas em mulheres para fornecer serviços de apoio nos níveis local e territorial.
O governo brasileiro, indo de encontro às recomendações da ONU Mulheres, quer reforçar os mecanismos que ajudam essas mulheres a denunciar. E desta forma, garantir um lar seguro e com a certeza que seus agressores serão responsabilizados, mesmo sabendo que isso está longe da realidade de muitas brasileiras. Um exemplo seriam os canais de atendimento remoto, como os serviços online e, no caso de violência física, ligar para o 190.
A denúncia é uma das únicas saídas. Seja pela pessoa agredida ou por um terceiro.
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