“Música faz parte da humanidade. Não há uma religião ou tribo que não se expresse por música, seja com instrumento, batuque ou canto. Todo lugar do tem alguma expressão musical, não são invenções da Disney ou da Warner. É uma criação humana, do mundo”.
Assim Kalisch, artista independente em constante estudo, situa a grandeza universal da música. Autodidata, toca desde os 11 anos. Em 2018 lançou o Ep Palíndromo, gravado em seu quarto. Há 4 trabalha com produção musical, tanto de sons de sua autoria quanto de parceiros de sua região, extremo leste de São Paulo.
Ele não iniciou a interlocução antes de reconhecer o apoio que constantemente recebe. Sua casa sempre fora musical. Seus irmãos mais velhos tocam guitarra e contrabaixo, seus pais estimulam suas produções, as colocam para tocar em eventos, oferecem opiniões a respeito delas afirmando que “não tocam, mas têm ouvidos”.
Para ele, música é seu sentido de existir, sem o qual não se vê como gente. Não à toa, suas primeiras lembranças da infância são as com instrumentos em mãos. Diferente de ocupações diárias, é leveza na rotina.
Falou, então, sobre seus passos, autônomos, iniciados com uma busca no Google sobre como tocar violão. “A Internet pode ser sua maior aliada. Sem ela, não faria metade do que faço hoje. Quando comecei, existiam revistinhas com cifras. Agora, com um clique todas elas são em um segundo encontradas. Por isso, saber um pouco de inglês ou usar de aplicativos de tradução são de grande valia. Mas, há um lado bom e um ruim. O primeiro é o de haver conteúdos infinitos para pesquisar, assim podendo aprender de tudo, ser possibilitado de muito. O outro é que há muita informação diversa, assim você pode ler uma e a seguinte ser contrária a ela.”. Ademais, relatou outros desafios: “O autodidata pode aprender os passos 1, 2 e o 9. O 4, 5 e 6 podem ser perdidos mesmo importantes, o que só saberá no futuro. Então, diferente de percorrer um caminho linear do básico ao avançado, ele vai e volta, contata complexidades antes de estar preparado para tais. Por isso é importante criar uma rede, trocar ideias, receber feedbacks, em suma, ter uma visão além da sua.”
No mais, considera a emoção um componente crucial da música. “Ela acompanha o que você está sentindo. Transforma um contexto banal em uma cena de cinema. Cabe em cada situação, na vibe de cada lugar. Assim, é indissociável da emoção. É feita a partir dela.”
Discorreu, também, sobre outro elemento, o poder de traduzir e transmitir discursos, permitindo identificação pessoal com ele. “Por exemplo, cito Djonga cantando “fogo nos racistas”. O ouvinte pode não entender, concordar ou discordar, ocasionando um diálogo sobre o tema. Logo, a música pode fazer pensar, mover algo internamente, até mesmo chocar. Mas isso não é obrigatório, tem que ser verdadeiro. E pode ocorrer de diferentes maneiras, há espaço para formas intelectuais, faladas, como a de Cazuza e Renato Russo, mas também aos gritos, como o do Rap.”
Com a deixa, Kalisch adentrou na temática do Rap, estilo atualmente seu mais próximo. “Muitos acreditam que Rap é música de protesto, mas há também ondas de festas e diversão. Assim como o funk, com o qual é possível problematizar e se divertir. A conjuntura pode ser de crise, mas não é necessário que a música produzida seja incisiva sobre o sistema. Às vezes, é a música de festa que vai diminuir a angústia. Elas possuem essa função de te tirar da realidade, pensar na que você quiser.”
Dada a atual, foi inevitável divagar sobre participação da música no momento: “Gosto das lives, que surgem como entretenimento, dão sensação de pertencimento e lembram que o mundo não acabou.. Também admiro a questão das arrecadações. Para ilustrar, Djonga fez uma live em que arrecadou 100 mil pra fazer trabalhos nas favelas perto de onde mora. Ao mesmo, infelizmente, algumas pessoas estão colocando outras em risco, como no caso da Isis Valverde, que fez stories dizendo para ficarem em casa, enquanto mostrou uma funcionária na dela.Assim, é importantíssimo que frisem a questão, mas apresentem formas de estimulá-la. Como diz um rapper, é muito fácil ficar em casa se seu quarto é grande. Portanto, a cultura da live, se não é vazia, é positiva. É relevante que quem tem influência aja a favor da sociedade.”
E, se elas futuramente substituirão os shows? “Nunca. Vão fazer pensar muita coisa, mas não entrarão no lugar deles. As pessoas gostam da experiência de um show, que é intransponível. Estar em casa e em um show é bem diferente. São coisas complementares, não conflitantes.”
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