Na medicina a miopia é um distúrbio onde objetos próximos são vistos com clareza, mas quando distantes do observador, a visão fica turva, nebulosa e difícil de ser compreendida com nitidez. No marketing esse distúrbio também existe e o conceito é praticamente o mesmo.
Em 1970 o termo Miopia de Marketing foi tratado pela primeira vez pelo economista estadunidense Theodore Levitt. A reflexão é simples: quando o foco da empresa está muito orientado ao produto/serviço e questões internas – vamos chamar isso de situações próximas à empresa – e pouco ás necessidades do cliente e ao mercado – neste caso, situações externas e mais distantes da empresa – a tomada de decisão é baseada em uma visão desfocada.
Essa miopia de marketing já levou muitas empresas à falência. A Kodak é um case muito explorado para tratar o assunto “miopia de marketing”. Ela foi da maior empresa de fotografia do mundo – com 90% das vendas de filmes, 85% das vendas de câmeras nos Estados Unido; fornecedora dos filmes e câmeras que produziram as primeiras imagens da terra em satélites americanos e de homens na lua – à falência. Isso aconteceu, pois mesmo sendo uma empresa de inovação, a Kodak não acreditou que o cliente poderia mudar seus hábitos, inovar, mudar de opinião. A empresa desacreditava no potencial das câmeras digitais. Entendeu que sua potência suprimiria a força da mudança de comportamento dos seus consumidores, algo como: “com mais publicidade (afinal sou muito maior que meus concorrentes “digitais”) consigo estancar essa demanda e continuarei surfando no meu mar seguro”, uma visão baseada apenas no contexto interno a empresa.
A Kodak negligenciou o ambiente externo, perdeu share para as câmeras digitais no primeiro momento, depois os smartphones tomaram o mercado e a empresa entrou com pedido de falência em 2012. Conclui-se que, diferente da medicina, no marketing a miopia pode matar. Mas o que a Kodak deixa de lição nesses tempos de Covid-19?
Existe uma revolução acontecendo em paralelo a esta pandemia. É uma revolução impulsionada pela necessidade de se adaptar a este novo cenário imposto (quarentena, isolamento social, etc) e que está ditando uma série de mudanças de comportamentos e hábitos, que estimula novas possibilidades de fazer as velhas coisas. Muitos desses hábitos podem perdurar e gerar novas tendências, e quem não está observando essa metamorfose, está com aquela velha miopia que, no marketing, cega e pode matar.
Um estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), divulgado na última terça-feira, 19/05, mostrou que os brasileiros aumentaram suas compras online. Segundo os resultados da pesquisa, o consumidor brasileiro está mudando o comportamento de consumo, com 52% dos entrevistados comprando mais em sites e aplicativos durante a quarentena e 70% que pretendem continuar comprando mais online do que faziam antes da covid-19.
Para experimentar essa teoria um pouco mais detalhada, sugeri também ao meu ciclo de relacionamentos nas redes sociais que respondessem: “Quais hábitos você mudou durante a quarentena? E quais deles pretende levar para a pós-pandemia?”. Além dos resultados mais evidentes, como aumento no rigor com a higiene (45%) e maior interação com a família (20%), algumas respostas também geraram insights importantes.
20% dos respondentes disseram ter de se adaptar com a prática de exercícios em casa, ou iniciaram uma rotina de treino, antes negligenciada. Desses, 30% pretendem manter o hábito. O hábito de estudar ou ler diariamente foi comentado por 22.5% dos respondentes – 40% pretendem manter essa nova rotina – e dos 12% que afirmaram estar em home office, todos desejam manter o hábito após a pandemia.
Ainda que de forma superficial, já é possível sugerir que haverá mudanças na rotina de trabalho, no como se pratica esportes, no consumo de curso online (EAD) e essa onda de mudanças traz outras ondas de mudanças. Se o trabalho em escritórios reduz, por exemplo, o mercado local dos centros comerciais serão impactados.
É preciso estar atento, ouvir como o cliente está sendo impactado pelo contexto e como ele tem remediado, pois essa nova forma de fazer as velhas coisas pode ser uma tendência pós-pandemia. Também é necessário entender como a empresa deverá se adaptar a esse novo consumidor, mais online e menos físico. Diferente da Kodak, hoje temos ferramentas muito mais precisas e avançadas para coletar informações: desde uma simples pesquisa até ferramentas de dados, BI, microsegmentação, CRM, além é claro do relacionamento constante que deve ser preservado. A miopia no marketing pode ser evitada e o tratamento exige apenas visão saudável. E claro, como sempre: Customer Fist!
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