“Mudos, mas ouvindo e aprendendo”. Diante deste momento caótico de lutas e protestos, essa frase – que circulou muito nas redes sociais nos últimos dias – traduz a necessidade atrasada do mundo. Para dizermos que realmente compreendemos a verdadeira situação da população negra, que no Brasil representa 54%, apoiarmos o antirracismo e sermos empáticos na essência, nós precisamos ouvir quem tem o lugar de fala e estudar sobre o assunto. Digo isso porque antes de começar a estudar sobre diversidade e inclusão nas organizações, na inocência e por falta de conhecimento, reconheço que já tive atitudes ou usei termos que fortalecem o racismo estrutural e não sabia. Isso mesmo e vejo que é mais comum do que parece. Atitudes essas enraizadas em nossa sociedade, nosso sistema, que muitas vezes passam despercebidas.
Também já cheguei a dizer que “nunca vou entender o que vocês passam, mas estou aqui” – outra frase que circulou bastante na versão em inglês (I understand that I will never understand. However I stand). A questão é que por meio da empatia somos sim capazes de entender mesmo sem vivenciar. Como diz Djamila Ribeiro, filósofa, feminista negra, escritora e acadêmica brasileira, empatia é uma construção intelectual. “Se eu não conheço uma realidade, eu posso ler sobre e ouvir pessoas de um grupo discriminado. Porque aí eu entenderei a realidade de outros grupos e a partir daí, me responsabilizo pela mudança”.
O racismo estrutural no Brasil e o privilégio dos brancos
Engana-se profundamente quem acredita até hoje que o Brasil é um país inclusivo – aliás, é a percepção de muitos estrangeiros que veem o nosso país de fora -, pode ser diverso SIM, mas não inclusivo. Pesquisas do Instituto Nacional do Negro afirmam que 97% dos brasileiros acreditam que o racismo existe, mas só 3% se diz racista. Um pouco contraditório, não? Mas é claro! É fácil falarmos que somos antirracistas e culparmos o sistema, que protege o privilégio de pessoas brancas, terceirizar o problema. Difícil é lidarmos com a verdade que, sem percebermos, apoiamos o lado opressor. Por isso, sem entendermos o nosso papel, o nosso lugar de fala – localização de poder dentro da estrutura – e os nossos próprios privilégios, não conseguimos nos responsabilizar e fazer parte dessa mudança. Temos que ter a consciência de que se existe um grupo discriminado, existe outro que está se beneficiando disso.
Quando dizem “não basta não ser racista, é necessário ser antirracista” é um chamado para nos posicionarmos, começarmos a ter um olhar mais crítico, nos incomodar, nos questionar, sobre o que vemos ao nosso redor. Por exemplo, quantos negros estão presentes na alta liderança das empresas? Quantos são professores de grandes universidades? Quantos fazem parte de grupos que tomam grandes decisões? Fatos são que o desemprego no Brasil é maior entre a população negra (64%), metade da população negra trabalha em empregos informais (66%) e a diferença entre a renda média dos brancos e a renda média dos negros é de 73,9%, segundo o estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça”, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Por mais que esse tema esteja sendo abordado em diversas mídias de diferentes formas, escrevo aqui para reforçar que às vezes achamos que não temos muito a dizer ou a quem influenciar, mas é aí que nos enganamos. Também precisamos entender que mesmo não tendo o lugar de fala de pessoas negras, podemos defender a causa a partir do nosso lugar de fala e usar o nosso privilégio a favor.
Estudem, se posicionem, compartilhem, falem sobre isso em rodas de discussões com amigos, familiares, nas redes sociais. Atue contra o racismo e não só diga que não é racista.
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