Quatorze dias após o assassinato de George Floyd por um policial, nos USA, protestos se espalharam pelo mundo, reunindo milhares de pessoas em todos os continentes. A morte do ex-segurança negro aconteceu depois de ser asfixiado pelo joelho do agressor no pescoço, durante 9 minutos, em 25 de maio.
Desde então, dia após dia, pessoas se unem para protestar. Às vezes, com violência, mas na maioria, não. Algumas cenas, como policiais e manifestantes se ajoelhando, frente a frente, em um gesto simbólico, emocionam. Ou o silêncio absoluto com as mãos na cabeça em sinal de rendição.
Desde a morte de Martin Luther King em 1968 não havia um protesto tão grande contra o racismo, com a diferença que, no atual, milhares de brancos se uniram aos negros e gritam em uníssono “Black Lives Matter”. Mais: manifestantes procuram pacificar grupos violentos que se infiltram, buscando manter a ordem, mesmo desobedecendo ao toque de recolher. O que está profundamente diferente?
Reflita: que caminhos estamos escolhendo, como humanidade?
Não pode ser coincidência que em meio a uma pandemia tanta gente saia às ruas para lutar por outras, mesmo com o risco de adoecerem, serem presas ou feridas. Há quem diga que o isolamento acirrou os ânimos; que o ambiente digital é mais radicalizado; que é só muito mais gente fazendo uso da palavra por causa da internet. Quero acreditar que não. Quero crer que a “parada forçada” ligou algum botão de emergência.
É preciso considerar que paz é ação e não apenas a ausência de conflito. E ela só pode ser alcançada com uma autêntica diminuição da pobreza, das diferenças sociais e da segregação. Nobel de Economia, em 1998, o indiano Amartya Sen sempre defendeu que “A democracia é o melhor meio de lutar contra a pobreza”.
O programa de Ação por uma Cultura de Paz, aprovado pela ONU, em 1999, englobou 8 áreas que seriam vitais para alcançá-la: Educação por uma cultura de paz; Igualdade de gênero e raças; Participação democrática; Desenvolvimento sustentável; Direitos humanos; Compreensão, tolerância, solidariedade; Livre circulação da informação e dos conhecimentos; Paz e segurança internacionais.
Cinco anos depois, um estudo apresentado à ONU pela Fundación Cultura de Paz, criada por Federico Mayor, diretor-geral da UNESCO de 87 a 99, mostrou que os obstáculos eram grandes, apesar de todo o empenho da sociedade civil. Estamos em 2020 e os problemas só aumentaram.
Por quê é tão difícil?
Não são poucos os exemplos do que a cultura de guerra faz ao mundo: não há ganhadores, nem perdedores, pois todos sofrem ao extremo. Não importa se é regional, mundial ou movimentos localizados – ou mesmo na internet – pois onde há violência, há morte e dor. A paz deveria ser um estado natural, e não o contrário!
Mas a paz não se vê. A guerra, sim. A paz não dá ibope, nem curtidas ou comentários. O ódio, sim. Paz é tema considerado fora da curva porque é confundido com inatividade, resignação, apatia; que não gera negócios, nem dinheiro. Ao contrário da guerra.
Dia após dia, apologia às diferenças, intolerância, agressões verbais, incitam ao ódio. “Se nos olharmos através das imagens nas telas de televisão, veremos faces distorcidas pela arrogância, medo e ódio. Não nos vemos como realmente somos – é como os espelhos deformantes dos parques de diversão” (Mayor)
Nunca uma frase como a do Ato Constitutivo da UNESCO, foi tão verdadeira:
“as guerras nascem na mente dos homens, e é na mente dos homens que devem ser erguidas as defesas da paz.”
A UNESCO foi criada em 1945, logo após o mundo viver a insanidade da Segunda Grande Guerra Mundial, para promover a paz e os direitos humanos. Mas a memória é curta: até hoje, 75 anos depois, não tivemos um minuto de descanso verdadeiro, porque vivemos à beira do abismo. Ódios, preconceitos, intolerância, segregação, violência, maldade, nascem todos na mesma fonte – a mente.
Como afirmou diversas vezes Federico Mayor, um dos maiores defensores da Cultura de Paz, “a paz se constrói a cada dia, e sua construção é obra de cada um. É uma atitude forjada pela educação, pela ciência e pela cultura, que dão a cada ser humano a faculdade de agir segundo a sua consciência”.
Chegamos ao ponto: mente e consciência
“Se destruirmos todas as armas do mundo, mas não educarmos o homem para a Paz, ele usará qualquer objeto como arma”. Essa foi uma das frases que ouvi em um dos seminários de pós-graduação da Universidade Internacional da Paz, da qual o Dr. Pierre Weil foi co-fundador.
Prêmio UNESCO 2000 da Educação para a Paz, candidato a Nobel da Paz em 2003, Weil nunca falou sobre a guerra como instrumento de paz – pelo contrário, desenvolveu uma pedagogia da paz que transforma os três aspectos da cultura: individual, social e ambiental.
Para ele não se trata apenas de retirar as armas dos homens, porque elas são um sinal externo do ódio que habita dentro dele.
Onde começa a Paz?
Todos sonhamos com paz e sabemos que é vital para a sobrevivência da humanidade. Mas se a desejamos, que obstáculos existem em nós, nos outros e na natureza que nos impedem de alcançá-la? Porque homens se destroem e se agridem, não só em guerras, mas nas mínimas ações do cotidiano? Você já parou para pensar nisso? Na pedagogia de Pierre Weil, a paz começa dentro de cada um, e é aí que deve ser despertada. O movimento é de dentro para fora…
Você está em Paz?
Na Ecologia Pessoal olho para mim: corpo, emoções e mente não estão separados na visão holística – formam uma unidade que deve ser respeitada, e cada aspecto considerado para viver em paz. Mas como conseguir isso? Cuidando do corpo; trabalhando com as emoções destrutivas e desenvolvendo a mente para lidar com as situações com sabedoria. O resultado é o encontro da paz interior.
Você está em Paz com os outros?
Na Ecologia Social, o olhar é para a relação com os outros. Quem vive em desequilíbrio, promove e intensifica o desequilíbrio social. O equilíbrio desenvolve a capacidade de entender que estamos todos interligados e somos interdependentes – portanto olhar para o outro com respeito, compaixão e equidade. Sem abdicar da responsabilidade perante a sociedade nem ignorar as necessidades dos outros.
Você está em Paz com a natureza?
Na Ecologia Ambiental o olhar é para o modo de interação com a natureza e responsabilidade pelo planeta. Essa não é uma questão só dos governantes, mas de cada um, já que a sobrevivência da humanidade depende dos recursos da terra que são finitos, e ao tirar dela sem dar tempo para que se recomponha, o homem está condenando a si mesmo.
Como Paz não significa, de modo nenhum, inatividade, a ideia é cada um não se limitar a descobrir a paz, mas se dedicar a semeá-la como se fôssemos lavradores de um novo mundo, a exemplo de Mahatma Ghandi, o Rebelde da Paz, que lutou contra a dominação britânica da Índia por meio da não-violência e da desobediência civil.
Precisamos, urgentemente, formar uma massa crítica capaz de conseguir as mudanças necessárias: promover, em cada área da vida humana, a transição de uma cultura de violência e imposição para uma de paz e tolerância.
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