“A crise da COVID-19 está afetando todas as facetas da vida das pessoas em todas as partes do mundo. Mas a tragédia não precisa ser seu único legado. Pelo contrário, a pandemia representa uma rara, porém estreita, janela de oportunidade para refletir, re-imaginar e redefinir nosso mundo para criar um futuro mais saudável, mais equitativo e mais próspero.” Klaus Schwab.
Com essa frase Klaus Schwab, o fundador e presidente executivo do World Economic Forum (WEF) – a maior organização politico-empresarial privada do mundo – lançou no dia 3 de junho as bases para um encontro histórico entre os líderes mais expressivos do planeta, a ser realizado em janeiro de 2021, em Davos (Suiça), sede da instituição.
O evento, chamado de “The Great Reset” (algo como “O Grande Reinício”) é anunciado em meio a uma das mais graves e universais ameaças à saúde pública da humanidade, em pleno século XXI do mundo tecnológico e globalizado cujo contexto, por sua vez, alavancou gigantescas ondas que chacoalham o status quo social, como as manifestações anti-racistas que acontecem mundo afora devido a uma grave ocorrência nos Estados Unidos e que se espalhou como pólvora por uma “aldeia global” sedenta por conexão e mudança, já formada como platéia diante de seus gadjets digitais, as únicas companhias físicas permitidas durante a severa quarentena desses tempos de Covid-19.
Para completar o cenário, temos nossa versão nacional para o caos, na forma de um exótico e preocupante impasse político diante do confronto entre o Executivo, os outros poderes republicanos constituídos, a maioria da sociedade no país e a própria democracia, com direito a indiretas e tudo. A janela de oportunidade percebida por Schwab é estreita, como ele diz, mas pode ser profunda se a sociedade civil souber aproveitá-la e aí está o pulo do gato do que fará (ou não) a diferença histórica desse momento tão singular. O anúncio do Grande Reset foi feito pelo HRH Príncipe de Gales e o Professor Schwab durante uma reunião virtual, seguida de declarações do Secretário-Geral da ONU António Guterres e da Diretora-Geral do FMI Kristalina Georgieva.
“Para garantir nosso futuro e prosperar, precisamos evoluir nosso modelo econômico e colocar as pessoas e o planeta no centro da criação de valor global. Se há uma lição crítica a aprender com essa crise, é que precisamos colocar a natureza no centro de como operamos. Simplesmente não podemos perder mais tempo ”, disse o Príncipe Charles no lançamento da iniciativa.
Recentemente o Secretário Geral da OCDE, o mexicano Angel Gurría, desabafou indignado em uma dessas muitas reuniões virtuais que afloram durante a pandemia, uma live sobre a “economia azul”, esbaforindo quase aos prantos ao denunciar que a verba a disposição do órgão para proteger os oceanos era irrisória perto daquela direcionada pelos membros da organização à indústria pesqueira predatória que persegue, por exemplo, os derradeiros exemplares de atum “blue thin” para que possamos degusta-los no sushi-bar da esquina. Em outras searas de âmbito mais modesto, milhões de pessoas entre empresários, políticos e a sociedade civil, também vem confabulando nos webinares e suas versões mais domésticas, refletindo sobre os furos do sistema global escancarados pela crise da Covid-19. Vários sinais inequívocos da falência do “sistema” vieram à tona e o rei ficou nu, mais uma vez, só que agora na forma de um documentário-denúncia, diário, ao vivo e em todos os canais, cujo protagonista é a nossa impotência diante de uma bio-poeira mortal, chamada Sars-Cov-2, primeira grande “resposta” da Terra às intervenções inconsequentes em nossa própria ecologia da sobrevivência.
Começou com uma “epidemia chinesa”, distante geográfica e culturalmente do nosso “normal” (não seria a primeira, afinal) … só que ela chegou com força total ao Irã (também considerado um satélite distante e secundário, mas foi esquisito) e daí à Itália e o “ocidente maravilha”, pronto! E com tudo.
Devastando justamente a parte mais tipicamente ocidental, ao norte do país, dizimando vovós e vovôs que poderiam ser os “nossos”. E o inusitado foi se desdobrando, diuturnamente, em frente aos nossos olhos perplexos, voltados para as telas de cristal líquido em todo o mundo, simultaneamente.
Ao assistirmos a essa “série” real que nos insulta a grandeza e nos ameaça com veemência, na forma da falência múltipla dos sistemas de saúde, da Lombardia a Nova Iorque, passando por Guaiaquil e São Paulo, tivemos que entrar no “mode” auto-crítica, já que ficou evidente que estamos frente a um inimigo mais poderoso que o “business as usual”: a força monumental de nossos erros e a impotência egoica de mudarmos de rumo.

“O Grande Reset é o compromisso de construir conjunta e urgentemente as bases de nosso sistema econômico e social para um futuro mais justo, sustentável e resiliente”, diz o site da iniciativa do WEF, sobre o evento duplo (presencial e digital) que se realizará no ano que vem.
Por isso é que a ideia é ousada, tem senso de oportunidade e é factível em seus objetivos de “mudar o rumo dessa prosa”, sem o pessimismo terminal e vitimista de não acreditar em mais nada que é uma tentação para muitos de nós e sem o outro vício frequente na psicologia infanto-ocidental de ser, que é o de demonizar o “outro” pelas mazelas, seja “ele” quem for, mas não “eu e os meus”.
O foco desse approach é construir um consenso colaborativo sobre o que fazer e … fazer. Partindo da situação emergencial de saúde na pandemia, como está acontecendo, com a injeção de capital dos Governos e das grandes empresas em todo o mundo, para tentar frear a Covid-19 com testagem e cuidados aos doentes, na medida do possível, além de garantir uma renda mínima durante esse período de falência da economia tradicional ao tentarmos preservá-la ao máximo dos enormes prejuízos inevitáveis e começando a construir o ambiente para as mudanças estruturais necessárias para entrarmos em uma trajetória de substituição do capitalismo inconsequente atual, para um capitalismo de “stakeholders”, ou Capitalismo Consciente que vislumbra um retorno mais amplo para as pessoas e o planeta, preservando a sua lógica inerente e eficaz de evoluir, ou seja, preservando a criança ao substituir a água suja do lucro egoísta e a qualquer preço socioambiental, pela liquidez saudável do empreendedorismo inclusivo, criativo e sustentável, com retorno triplo (econômico, social e ambiental).
Olhando e agindo, simultaneamente, com o calor da solidariedade, estimulada pela excruciante dor de enxergar nossos semelhantes sucumbindo aos milhares nos hospitais e a tristeza ao acompanhar a abertura de mesmo número de covas e valas no mundo todo, pela televisão, associada ao medo da morte súbita chegar perto, mas também com a frieza de agir em direção às soluções efetivas e possíveis que são muitas. E, graças à engenhosidade e à compaixão humanos, podemos aprender e assimilar para superar como civilização, as limitações de hoje e seguir em frente, melhores e sem se perder em polaridades políticas ou ideológicas.
“O Grande Reset é um reconhecimento bem-vindo de que essa tragédia humana deve ser um alerta. Precisamos construir economias e sociedades mais iguais, inclusivas e sustentáveis, que sejam mais resilientes diante de pandemias, mudanças climáticas e muitas outras mudanças globais que enfrentamos ”, disse António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas, Nova York.
O problema da vez é grave, difícil de ser combatido e de se preparar para ele, mas não por falta de recursos, conhecimento, ferramentas ou a construção sistemática necessária para solucioná-lo. Nós temos ciência e tecnologia capazes de dar conta de um obstáculo biológico pontual como esse vírus. Assim como recursos humanos e financeiros, desde que corretamente direcionados e geridos. Os drivers que focam, empreendem e constroem estão todos disponíveis, o que está em jogo – e esse é o nosso desafio maior – tem a ver com variáveis mais “sutis” do softpower, como o redesign das relações formais entre as pessoas, as instituições,e as nações; e o planejamento estratégico minimamente concertado e inclusivo, da “jornada do herói” humano de longo prazo e a gestão interdependente do contexto que perfaz o cenário dessa jornada.
“É necessário um grande reinício para construir um novo contrato social que honre a dignidade de todo ser humano. A crise global da saúde revelou a insustentabilidade do nosso antigo sistema em termos de coesão social, falta de oportunidades iguais e inclusão. Também não podemos dar as costas aos males do racismo e da discriminação. Precisamos incorporar nesse novo contrato social nossa responsabilidade intergeracional para garantir que atendamos às expectativas dos jovens. ”, concluiu Schwab.
Alea Jacta est! Maktub! Mão na massa!