Em junho, comemora-se o mês do orgulho LGBTQIA+, especificamente no dia 28. Apesar de termos conquistado tantos direitos desde 1969, o Brasil consegue ainda nos surpreender negativamente: país que mais mata transexuais (ONG Transgender Europe (TGEu), 2016) – e detalhe, apresenta três vezes mais assassinatos que o segundo colocado, o México (Correio Braziliense); e, inclusive, lidera o ranking de assassinato da população LGBTQIA+, com uma morte a cada 23 horas (Grupo Gay da Bahia, 2017).
Quão difícil é ter orgulho de si mesmo, sem ter medo de amar quem quiser, quando se vive em uma sociedade claramente LGBTfóbica? Os padrões e conveniências sociais desenvolvidos/impostos carregam preconceitos de difícil desconstrução.
Por isso, conversei com a minha amiga lésbica, Carol Amaral, Cofundadora do Impacto Mulher, que vive aqui no Brasil e sente um superorgulho de si mesma. Eu gostaria de saber de que lugar ela extrai a sua força, se ela se sente representada pelos movimentos LGBTQIA+, pela cultura através de filmes e séries e, por fim, se ela nota seus direitos serem cada vez mais conquistados:
“Os movimentos LGBTQIA+ são muito necessários para a busca por maiores direitos (direitos iguais) da comunidade, mesmo com diferentes abordagens. A própria parada de orgulho LGBTQIA+ é um modo de manifestação de orgulho e também de luta por maior visibilidade, maiores conquistas, mais políticas públicas voltadas para a população.
Deve-se ressaltar que a luta por esses direitos deve ser todo dia, mas, infelizmente, é só no período pré e durante a parada que as pessoas “se esforçam” para entender a luta por trás do movimento.
Sinto que os nossos direitos estão sendo conquistados “a passos de tartaruga”, confesso. Acho que parte disso é a falta de representatividade que temos no Congresso Nacional. É só observar a situação em relação a outros países, como o Canadá. A nossa realidade, com a bancada da bala e religiosa, atrasa os possíveis avanços que poderíamos ter – quantas políticas públicas foram/são feitas em relação às mortes de trans?
Tiro a minha força da rede de apoio, isso faz muita diferença em como nos enxergamos e, conjuntamente, em como encaramos os obstáculos. Sou muito grata à minha família, à Thais (namorada) e à família dela, pois sempre fui bem acolhida e minha orientação sexual nunca foi questionada por eles e eles nunca me cobraram mais por ser lésbica.
Por isso, a inspiração e empatia importam. Ontem, por exemplo, nós estávamos pesquisando alguns filmes/séries com temática LGBTQIA+ e sentimos falta de mais títulos nas plataformas de streaming. Nós assinamos três, em uma delas encontramos apenas um filme que tivemos interesse – às vezes, os filmes e séries que têm essa temática reforçam estereótipos e são hiperssexualizados. Isso não representa a comunidade.”
No final da conversa, a Carol me deu a dica de assistir ao filme “Stonewall: onde o orgulho começou”. E posso afirmar que as narrativas do drama são intensas; para mim, foi uma sensação de impotência e inconformismo durante horas.
As primeiras cenas retratam o contexto dos anos 60/70, nos Estados Unidos, onde havia uma lei federal que proibia agências do governo de contratar homossexuais (!!!). A comunidade LGBTQIA+ era classificada como constituída por “doentes mentais” e a terapia de “cura” era o eletrochoque (!!!). A lei vetava a reunião e o consumo de álcool por essa comunidade (!!!). Existiam, também, propagandas para demonstrar como eles eram “perigosos” (!!!). Essas discriminações favoreciam uma vida segregada e em total vulnerabilidade social (!!!), além de uma assombrosa violência policial, com agressões sexuais (!!!).
Eu fiquei pensando, como podemos nos desprender de estigmas de um passado tão presente em um mundo interconectado? Até mesmo a população LGBTQIA+ cresceu nesse cenário discriminatório e as dúvidas/confusões/medos são certeiros.
O filme ainda descreve a influência das máfias e dos cafetões, que a partir do desamparo social dos membros da comunidade (por, muitas vezes, terem fugido de casa ou terem sido expulsos), fazia com que eles se prostituíssem. Stonewall Inn era o nome do bar onde esses encontros – majoritariamente – aconteciam e onde as bebidas alcoólicas eram vendidas ilegalmente a esse público.
Outra visão percebida é a de que os transexuais, travestis e os negros sofriam substancialmente mais nessas “batidas policiais” e, comumente, eram presos – enquanto os outros podiam ir embora. Por causa disso, foram personalidades fundamentais na luta pelos direitos LGBTQIA+, como a famosa Marsha P. Johnson, ativista, drag queen negra e cofundadora da S.T.A.R (organização que ajuda mulheres trans e drag queens).
O estopim da trama se dá com a rebelião no Stonewall Inn. Milhares de pessoas, especialmente marginalizadas (conforme aponta o drama – “heróis não reconhecidos/sem nomes”), cansaram de ser tratadas de forma diferente e se manifestaram, violentamente, contra os policiais que adentraram ao estabelecimento.
As demais abordagens sobre o acontecimento também são interessantes, como a da “Mattachine Society” que pleiteou uma manifestação pacífica depois da rebelião – o que definitivamente não aconteceu, uma vez que milhares de manifestantes retornaram ao local por mais quatro noites e inúmeras organizações “mais radicais” surgiram a favor dos direitos LGBTQIA+ (anos 70).
Para mim, a consequência mais mensurável dessas revoluções foi a criação da “Marcha de Libertação Gay”, em 1970. No início, a marcha começou timidamente com algumas centenas de pessoas, todavia, terminou reunindo mais de 10.000! Seu principal lema era: “Saia do armário e venha para a rua”.
Destarte, o longa-metragem concretiza a ideia de que se precisa de uma revolução – em maior parte pacífica, apesar dos trechos de violência -, para que os direitos comecem a ser ouvidos. Ou seja, para que a evolução surja.
Acredito que seja nesse contexto que a Carol seja ativista LGBTQIA+ e que viva com orgulho de ser quem é, mesmo em um país como o Brasil (ou em um mundo em que 70 países criminalizam a homossexualidade e 40% dos moradores de rua dos Estados Unidos são parte da população LGBTQIA+). Triste constatar que muitas personalidades (preponderantemente “sem nomes”) lutaram para que ela tivesse oportunidades igualitárias e, principalmente, voz.
Por isso, o Dia do Orgulho LGBTQIA+ é igualmente um dia de agradecimento. Fez e segue fazendo diferença a (r)evolução Stonewall.
Todos os dados e informações foram retirados do filme “Stonewall: onde o orgulho começou”.
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