Nas últimas semanas seguimos a história do recém nomeado Ministro da Educação, muito respeitado, com uma bela história, que caiu porque divulgou um currículo repleto de informações falsas. O Doutorado na Argentina teve a tese reprovada; o Pós-doc na Inglaterra não existiu, e o Mestrado na FGV teve o TCC acusado de plágio.
Triste história porque todos que conhecem Decotelli o admiram e sabem que é capaz: na memória de quem não o conhece ficarão as mentiras do currículo, e não os bons atos.
Ele não foi o único!
Ricardo Velez, o primeiro ministro de Educação do atual governo, tinha 22 informações falsas em seu currículo (levantamento do Nexo), além de atribuir a si mesmo livros não escritos por ele, entre outras coisas.
Antes de Decotelli, na pasta da Educação, Weintraub foi apresentado como doutor, professor universitário e com experiência em gestão. Mas nenhuma universidade deu a ele esse título, segundo a revista Época.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, foi além – mestrado na universidade de Yale, nos EUA – desmentido pelo The Intercept Brasil.
Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a palestrante Damares Alves se dizia advogada, mestre em educação, em direito constitucional e direito de família. Mas acabou confessando que os títulos não vieram de universidades, mas de leituras da Bíblia.
Mas não se engane: não são só políticos que fazem isso – executivos também – e não são poucos. A lista é longa, na maioria das vezes citando as melhores universidades do mundo.
História que parece piada
Há alguns anos recebi um cliente que queria fazer Coaching para buscar recolocação. Aparentemente tudo bem, mas não conseguia passar em nenhuma entrevista de emprego. Despois de algumas sessões descobri o real motivo: seu currículo anterior dizia que era fluente em inglês e não era. Ele tinha uma história para contar:
Chamado para uma entrevista coberta de expectativas, foi colocado em uma sala vazia com um telefone que devia atender quando tocasse. Certo de que era mais uma dessas pegadinhas do RH, ele atendeu todo seguro – do outro lado estava um diretor da empresa, nos EUA, sem falar uma palavra em português. E ele, sem falar inglês. Imagina o constrangimento! Virou trauma e ele não se saia bem em nenhuma entrevista mais.
75% dos brasileiros mentem em currículos
A pesquisa é da DNA Outplacement, que analisou 6 mil documentos em 2018. E descobriu também que 12% das pessoas aumentam o grau de escolaridade e 10% adicionam falsos cursos ao currículo.
Ok. Dá até para compreender por que se inflam currículos, principalmente diante das dificuldades atuais em arrumar emprego. Mas fala sério! É muito fácil ser desmascarado.
Em primeiro lugar – e importante – os especialistas em contratação são os mais bem relacionados que existem, conhecem todo mundo da área. Além disso, com a experiência que têm, conseguem detectar mentiras e contradições no currículo, rapidinho.
Em segundo lugar, com as redes sociais, quase nada mais fica em segredo. Um post colocado em algum lugar, uma foto, um comentário, selfies, amigos, lugares que frequenta… se parar para pensar, a vida é um livro aberto para o mundo.
Mentira tem perna curta
Muitas vezes a pessoa quer vender-se como a melhor do mercado e acaba exagerando ao aumentar suas conquistas, seus conhecimentos, suas qualidades, os resultados que conseguiu. Acontece, que tudo é checado: as datas batem? A idade combina? As coisas fazem sentido?
E, nas entrevistas pessoais, o entrevistador sabe exatamente quando a pessoa está mentindo ou está à vontade com o que escreveu e diz. Principalmente porque mentira gera tensão e o corpo demonstra.
Outro fato que tem sido muito comum é a coleção de cursos e diplomas que aparecem nos currículos, principalmente após o isolamento – muita gente está fazendo dúzias de cursos online e lista todos. Acontece que muitos são irrelevantes para a colocação, outros são quase só uma palestra. Aí vira uma sopa de letrinhas: vai da receita de bolo ao marketing digital, passando pelas técnicas de vendas.
Portanto, coloque os cursos relevantes, a duração, quem ministrou ou onde fez. E não transforme um cursinho em pós-graduação ou especialização. Não seja especialista no que você não é.
5 consequências para quem mente
Ser desmascarado publicamente como foram os ministros, por exemplo, pode não ser a única consequência quando se mente:
1. Falsificar certificado ou citar uma instituição onde não estudou, pode levar a responder por crime de fraude, falsidade ideológica. E demissão.
2. Informar conhecimentos ou habilidades que não possui gera constrangimento. E demissão. Por exemplo, falar outra língua ou usar determinados softwares ou plataformas – na hora H, não consegue performar.
3. Mentir sobre escolaridade, certificações específicas ou licenças profissionais obrigatórias para determinadas funções é demissão na certa. E fraude.
4. Colocar no currículo habilidades técnicas que não possui pode criar uma situação perigosa se for chamado para testá-la.
5. Exagerar ou inventar resultados alcançados em determinadas funções pode ser desmentido se for convidado a explicar como a meta foi atingida.
A consequência mais triste, no entanto, é criar uma reputação que pode atrapalhar todas as chances de colocação em um futuro emprego, o famoso “nome sujo”. O chamado impostor. Será que vale a pena?
Falar a verdade é sempre melhor que mentir
Um currículo pode ser honesto e muito bom. Ele deve refletir suas qualificações, mas, principalmente, quem você é. Para isso, use um tempo para olhar para si: analise sua experiência, fixe metas realistas, pense no que quer e em como pode conseguir. Reconheça suas habilidades, competências, capacidades necessárias ao cargo que pretende. Olhe para o que falta e como pode desenvolver – tenha um plano de crescimento.
Antes de fazer o currículo propriamente dito, faça um perfil que conte seu trajeto: formação, qualificação, cursos, trabalhos, funções, habilidades, dificuldades: isso vai ajudar a refletir e servir de base. Pense nos desafios que gostaria de ter pela frente e nos talentos que quer desenvolver. Conheça-se.
Depois, sim, comece o currículo, plenamente consciente do que pode oferecer, de verdade, às empresas aonde pretende trabalhar. Há dezenas de modelos que você pode usar (Como fazer um Currículo Eficiente) Mas lembre-se de que deve limitar-se ao que é importante para aquela posição, e que as empresas levam em conta, sim, quem você é e não só o que sabe.
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