“Meu nome é Ana Luiza Garritano, tenho 26 anos, nasci com uma síndrome rara chamada Carpenter, caracterizada por má formação óssea, sou formada em Design da Moda e estou cursando a minha segunda faculdade, ligada à mesma área. Tenho vários cursos, experiência no exterior e inglês avançado, currículo esse que nunca me qualificou para as inúmeras vagas de estágio das quais participei. Nas várias entrevistas, sempre fui questionada sobre a veracidade do meu currículo, minhas capacidades e questões sobre o meu corpo. Compreendo que algumas questões estão presentes em todas as entrevistas, mas, algumas vezes, acredito exista algum preconceito.
As redes sociais têm evidenciado muitas problemáticas e demostrado ainda como muitas empresas estão atrasadas em relação à inclusão. Um simples exemplo é quantas digital influencers com deficiência você conhece? E em quantas propagandas estão?
Acredito que a lei de cotas seja um marco importante para nós, pessoas com deficiência, mas não garante uma carreira ou um emprego dentro das possibilidades do nosso currículo. Enquanto não houver uma conscientização de todos os agentes da sociedade, os efeitos não serão os esperados”.
Depois de entrevistar a Ana Luiza, percebi o mais triste: essa realidade não é particular dela, esses sentimentos não são exclusivos e, principalmente, essas dificuldades também não o são.
No Brasil, segundo o “Censo Demográfico de 2020 e o mapeamento das pessoas com deficiência no Brasil” do Ministério da Saúde e em consonância com a Lei nº 13.146/2015 (artigo 2º), intitula-se pessoas com deficiência “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (p.2).
Aí paira a minha dúvida: será que é a deficiência em si o que mais obstrui sua “participação plena e efetiva na sociedade” ou, como a Ana bem abordou, é a falta de conscientização e oportunidades ofertadas pelos agentes?
Afinal, 24% da população brasileira possuem algum tipo de deficiência ou grau de dificuldade, quase 46 milhões pessoas – IBGE, 2010, ou, utilizando o Censo/2020, 6,2% da população apresentam pelo menos uma das quatro deficiências (intelectual, física, visual e auditiva). No mundo, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais de 1 bilhão de pessoas com deficiência.
E, assim como a Ana, não os vejo sendo exaltados por grandes personalidades nem os visualizo como protagonistas nos ambientes profissionais, competitivos e nas mídias/redes sociais. Por exemplo, nos filmes norte-americanos entre 2007 e 2015, 2,4% de todos os personagens falantes/nomeados foram mostrados com deficiência e 2% nos filmes animados – Media, Diversity, & Social Change Initiative, 2016.
Em relação à acessibilidade urbana: 52% das escolas globais não são adaptadas; nos transportes, no Brasil, em 2017, de acordo com a “Pesquisa de Informações Básicas Municipais” (Munic/IBGE), dos 1.679 municípios que dispunham de serviço de ônibus intermunicipais, somente 11,7% tinham a frota totalmente adaptada para a acessibilidade de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e 48,8% tinham as frotas parcialmente adaptadas. Inacreditáveis 61% dos sites governamentais e de entretenimento do mundo não são acessíveis – OMS, 2018.
É evidente a parte fundamental que falta: serem mais vistas, inspiradas, agregadas, respeitadas e compreendidas.
Enfatizando um comentário da Ana: “as empresas abrem vagas para auxiliares e secretárias, porque acreditam que são as funções que as pessoas com deficiência podem executar, rola muito preconceito/capacitismo”. Ou seja, mesmo com um currículo apropriado para as diversas vagas da empresa, os próprios recrutadores se mantêm limitados, quando divulgam quais serão “as vagas de cotas”, de 2% a 5% dependendo do total, previstas no artigo 93 da Lei nº 8213/1991.
Em contrapartida, o cenário poderia ser muito pior se não fossem intuídas as referidas cotas. Atualmente, com elas, apenas 486.756 pessoas com deficiência trabalham, seja no mercado privado ou no setor público (Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, 2017).
Além disso, é direito de todos à saúde, com o suporte e o atendimento integral, porém, o Censo Demográfico de 2020 – mapeamento das pessoas com deficiência no Brasil – apontou que poucos frequentam serviços de reabilitação em saúde: somente 30,4% da população com deficiência intelectual, 18,4% (física), 8,4% (auditiva) e 4,8% (visual).
Frente as porcentagens apresentadas, não podemos esquecer que as mudanças partem de indivíduos inseridos no coletivo e não meramente de leis elucubradas por pessoas alheias aos problemas. Surgirá uma mudança real, no momento em que se verificar a diversidade de protagonismos presentes e, igualmente, a necessidade de revisão de cenários, através de uma inclusão responsável.
Um exemplo é o Programa de Acessibilidade do Museu do Futebol, em São Paulo, que concebeu o Projeto “Deficiente Residente”, com o objetivo de estruturar o estabelecimento cultural à maior inclusão responsável possível. Para isso, trouxeram os protagonistas (pessoas com deficiências) para exporem suas dificuldades e vontades, a fim de quebrarem as barreiras dos estereótipos.
Por isso, Ana, você é tão importante – protagonista dessa entrevista e da sociedade brasileira. Obrigada por nos fazer repensar que: somos todos e não uma parte.