Hoje escrevo a respeito de um escritor que marcou meu desenvolvimento enquanto leitora: Ian McEwan.
O autor, apelidado de Ian Macabre (Macabro), é um dos maiores nomes da literatura britânica contemporânea. Ao longo de seus mais de 40 anos de carreira, tornou-se conhecido por abordar temais morais e éticos em suas ficções, propiciando desconfortos reflexivos aos leitores.
Selecionei meus romances favoritos do prosista. Considero serem indicações interessantes a quem procura obras criativas, ácidas ou levemente filosóficas:
Reparação
Considerado uma das maiores obras do autor, o livro aborda com intensidade diversos assuntos sensíveis: amor, esperança, imaginação, desigualdade, ambição e injustiça.
A história tem início em uma Inglaterra interiorana em que a tradicional família Tallis vive questões típicas do início do século XX. As personagens principais são a menina Briony, a jovem Cecília e o criado Turner. Durante uma visita de parentes um magnata, os dois últimos iniciam um relacionamento amoroso incompreendido pela primeira. O maior conflito começa quando ocorre um crime nos arredores da casa, sobre o qual a garota apresenta um testemunho falso contra o funcionário. As consequências deste acontecimento irreparável estão entre as mais dolorosas existentes.
Dividida em três partes e um epílogo, narrada sob as perspectivas dos três protagonistas, a história combina atos e pensamentos mais íntimos com fatos históricos, suscitando ao leitor emoções plurais.
Após a leitura, vale conferir sua adaptação cinematográfica intitulada Desejo e Reparação, indicada a 7 Óscares, entre eles, o de melhor roteiro adaptado.
Na Praia
O livro, finalista do Book Prize de 2007, é mais que uma narrativa da história de um casal: trata-se de um apanhado de acontecimentos históricos e culturais que antecederam a década de 60.
O enredo é simples, consiste no primeiro dia da lua de mel Mayhew e Florence. Os jovens estavam prestes a ter a primeira relação sexual. E à cama foram inseguranças, estigmas, dúvidas e ruídos de comunicação. Assim, percebem-se consequências nocivas à subjetividade dos personagens, mas também ao seu relacionamento.
A obra é excelente para ilustrar as mudanças nos costumes ao longo das décadas. No mais, pode ser proveitosamente discutida sob a óptica feminista.
Após a leitura, vale conferir sua adaptação cinematográfica intitulada Na Praia de Chesil, estrelada por Saoirse Ronan e Billy Howle.
Amor sem Fim
O romance apresenta tragicidades (quase) cotidianas que se desdobram em um suspense com consequências extremas.
Ele tem início quando o casal Joe e Clarissa presenciam um acidente de balão, possivelmente agravado pela interferência do protagonista. Na chocante situação, ele conhece o jovem Jed Pary, que o toma como objeto de uma obsessão romântica.
Assim, a obra é um convite para pensar nos efeitos de uma crise e suas resultâncias nos relacionamentos conjugais. No mais, uma vez intensa psicologicamente, pode ilustrar a discussão sobre paixões patológicas, dúvidas neuróticas e certezas psicóticas.
Depois da leitura, vale conferir sua adaptação cinematográfica intitulada Amor Obsessivo, estrelada por Daniel Craig, Samantha Morton e Rhys Ifans.
A Balada de Adam Henry
É uma das obras em que o autor expõe uma importante discussão sobre o tema da religiosidade.
Sua protagonista é a juíza Fiona Mayer, que, em meio a uma crise conjugal, recebeu no Tribunal Superior o seguinte caso: o adolescente leucêmico Adam Henry, por ser Testemunha de Jeová, recusa-se a receber um transplante de sangue. Devido à sua menoridade, os médicos não poderiam acatar legalmente a decisão do rapaz, que sabia que custaria sua vida.
A jurista, então, vai ao encontro do jovem hospitalizado, buscando um diálogo sobre a realização de escolhas. Após a experiência, ela encaminhará o processo, impactando permanentemente sua vida e a da família envolvida.
Após a leitura, vale conferir sua adaptação cinematográfica intitulada Um Ato de Esperança, estrelada por Emma Thompson e Fionn Whitehead.
Enclausurado
O livro possui um personagem deveras original: um feto narrador.
O personagem, incrivelmente é sábio e ácido, acompanha limitadamente os acontecimentos do mundo exterior ao útero em que está “enclausurado”.
Eis que a história se revela uma releitura da peça Hamlet, de Shakespeare: o protagonista descobre que há um conluio entre sua mãe e seu tio contra seu pai. Assim, além de narrar um “ser ou não ser” inusitado e contemporâneo, a obra revela a experiência trágica de um filho inserido em condição de impotência por ainda não ser nascido.
Máquinas como Eu: e gente como Vocês
É o segundo mais recente livro do autor. Além de pertencer ao gênero ficção científica, é um drama moral.
Ele se passa em uma distópica Londres dos anos 80, em que a Grã-Bretanha perdeu a Guerra das Malvinas, Margareth Thatcher foi desestabilizada por Tony Benn e o pai da ciência da computação, Alan Turing (que é um personagem do livro), não foi condenado por ser homossexual. Um dos marcos do cenário é a existência de avançada Inteligência Artificial.
É nesse contexto que o homem médio Charlie adquire Adão, um robô feito à imagem e semelhança de um ser humano. Com o decorrer da narrativa, ele enfrenta embates éticos e sombrios relacionados à convivência com a tecnologia.
Enfim, a obra é uma resposta à indagação de como o mundo estaria se acontecimentos que marcaram a história fossem diferentes, e ademais, uma provocação a respeito de um assunto que em breve será crucial para a humanidade.