Inspirada no artigo do Jornal 140 “Machismo que mata homens”, da autora Ana Lu Tanaka, resolvi entrevistar o palestrante e co-fundador do Projeto Impacto Mulher, Vinicius Novak, a fim de compreender um pouco mais sobre como esse machismo é capaz de impactar homens, em seus padrões de masculinidade e estereótipos de gênero tóxicos:
Quando e como você descobriu o que é masculinidade tóxica?
Eu descobri o que é masculinidade tóxica em um vídeo do youtube, quando eu ainda estava na graduação de Relações Internacionais. Era um vídeo da joutjout (uma youtuber bem famosa) em que ela relatava que, em uma viagem à Índia, o menino que a havia recepcionado por lá (indiano) comentou que não gostava de segurar a nota de x rúpias (não lembro o valor). Então, ela perguntou ao garoto o porquê disso e ele respondeu que a nota era rosa e, por segurá-la, ele “pareceria gay”. No vídeo, o termo usado era masculinidade frágil, mas, mais para frente, fui descobrir que o debate se encaixa perfeitamente no debate sobre masculinidade tóxica.
O que é masculinidade tóxica?
Masculinidade tóxica é um conjunto de padrões determinados socialmente que caracterizam o que o nosso inconsciente entende como “masculino”, e que acaba, por vezes, gerando comportamentos destrutivos – físicos e psicológicos-, tanto aos próprios homens como às pessoas que convivem com eles. É necessário entender que a construção do masculino é geralmente relacionada a “não expressar sentimentos”, à virilidade e à violência. Por isso, frases como “segura esse choro, menino não chora”, ou “não ficou com a menina, você é uma mulherzinha”, “se alguém chegar perto da minha namorada já viro um soco”, ou coisas do tipo são muito comuns e continuamente propagadas na nossa sociedade.
Quais foram os seus principais choques quando você descobriu que certas situações eram relacionadas à masculinidade tóxica?
Eu, na verdade, sempre percebi que aconteciam coisas que não eram “legais”, digamos assim, mas eu nunca havia aprofundado a discussão, ou tentado compreender que estavam relacionadas a questões estruturais da nossa sociedade. Acho que meu principal choque foi com relação ao ciúme, porque eu o entendia, ainda, como uma forma de amor ou de apresso pela pessoa e não como posse. Entender que o amor de verdade liberta e não aprisiona foi, sem dúvida, um dos maiores choques (por mais que, ao falar sobre isso hoje, pareça-me óbvio, haha). Até mesmo porque eu creio que as pessoas que se seguram constantemente não tenham a percepção do que estejam fazendo.
Qual é a importância do processo de desconstrução?
Acredito que o processo de desconstrução, no âmbito pessoal, terá impactos diferentes para cada pessoa. Para uns, será aceitar-se e entender que você ainda é um homem, mesmo não se enquadrando em todos os padrões “exigidos” pela sociedade; para outros, será identificar-se como um agressor (seja a agressão física ou as demais -como psicológica, moral, sexual e patrimonial) ou, ainda, poderá ser uma mistura dos dois. Para a sociedade, essa desconstrução trará relações mais benéficas e maior aceitação, respeito, diversidade e, ainda, uma redução da violência contra a mulher ou a pessoas que apresentem características fora dos padrões estabelecidos, até mesmo entre os próprios homens. Entender que não há necessidade de resolver tudo de maneira agressiva é o início para a construção de uma realidade mais pacífica e harmoniosa.
O que o motivou a entrar em um projeto feminista?
Eu já me interessava bastante pela temática e gostava de pesquisar, discutir o assunto, inclusive, com a Carolzinha e com a Julie, que são as fundadoras do Impacto Mulher. O que me motivou mesmo, foi querer fazer a diferença, com os recursos que eu tinha e com aquilo que eu sabia. Eu queria aprender mais sobre o tema, envolver-me com a causa. O Impacto, sem dúvida, proporcionou-me isso.
No projeto social, quais são as situações que mais chamam a sua atenção em relação à masculinidade tóxica? Por exemplo, em palestras?
Algumas situações me chamam a atenção em palestras. A primeira de todas: perceber como os meninos, desde muito cedo, não se interessam pelo tema, pois, na maioria das vezes, as palestras contam com uma presença majoritária de mulheres. Por outro lado, é também muito interessante perceber que, ao final das palestras, as meninas presentes, que gostariam de conversar com alguém, majoritariamente, vão falar com a Julie, a Carolzinha ou a Gabi (dependendo de quem esteja na palestra) e os meninos vêm conversar comigo, haha. Acho importante abrirmos este espaço para o diálogo e que as pessoas se sintam acolhidas e confortáveis para tratar do assunto.
Quais situações chamam a sua atenção em relação à violência doméstica x masculinidade tóxica?
Olha, o que mais me chama a atenção é estar bem próximo à violência. Uma coisa é você ler os relatos ou o jornal; outra, é você acompanhar o processo judicial e conhecer a fundo os casos de mulheres que foram perseguidas com facas, atropeladas, estupradas e por aí vai. Estar defronte a tudo isso nos dá a certeza de que, sem dúvida alguma, ainda temos muuuito a fazer.
Qual é o papel do homem na luta contra a violência doméstica?
Essa é uma ótima pergunta. Quando nós tratamos de temas como machismo, ou masculinidade tóxica, ou violência doméstica, etc., é muito importante a inclusão dos homens neste debate. Isto porque, da mesma forma que não são os negros os responsáveis pelo racismo ou a população LGBTQIA+ pela LGBTQIA+fobia, também não são as mulheres as responsáveis pelo machismo. Portanto, como vivemos em uma sociedade diversa, onde homens, mulheres e pessoas de concepções de gênero diferentes convivem, o debate sobre o machismo e a masculinidade tóxica precisa chegar aos homens, pois são eles que se beneficiam desta estrutura que perdura há séculos e que cria lacunas de desigualdades entre os gêneros. Debater machismo não é algo exclusivo para mulheres, mas sim algo que deveria compor as discussões sociais que temos no geral. A partir deste entendimento, em que percebemos que os homens não podem se ausentar da sua responsabilidade enquanto detentores de privilégios, podemos começar a estabelecer um debate benéfico que poderá reduzir os índices de violência doméstica na sociedade. Então, o primeiro passo é estudar, entender os debates, as teorias, o contexto em que estamos inseridos. O segundo, é escutar as mulheres, suas demandas, suas vivências, pois afinal são elas que sofrem as piores consequências do machismo. O terceiro, é não permitir que o machismo possa se instalar em lugares aos quais as mulheres não têm acesso, por exemplo: não permitir que um amigo seu faça um comentário machista sobre uma mulher com quem ele saiu, não distribuir fotos íntimas de mulheres em grupos de WhatsApp, repreender amigos e colegas que estão tendo comportamentos agressivos ou machistas, entre outros. De forma muito simplificada, o homem pode e deve ser um aliado na luta feminista (protagonizada por mulheres), compreendendo os temas por meio de estudo, ouvindo as mulheres, respeitando o movimento e não “passando pano” para atitudes machistas, mesmo que venham de amigos ou colegas.
Quais livros e filmes o inspiram a ser um ser humano melhor?
Para entender o machismo é necessário abranger antes alguns conceitos de gênero e como ele se constrói na sociedade; então, eu sempre começo recomendando a leitura dos dois volumes do livro “Segundo Sexo”, da escritora francesa Simone de Beauvoir. Em seguida, já entrando mais diretamente no debate sobre masculinidades tóxicas, eu gosto muito de um filme da Netflix chamado “Eu não sou homem fácil”, que mostra, de uma forma cômica e irônica, a desvalorização que as mulheres sofrem na sociedade, mas na “pele” de um homem. Esse filme é realmente muito inteligente e didático. A terceira recomendação é de um documentário chamado “The Mask You Live In”, que retrata o processo de formação e criação dos meninos e adolescentes nos EUA e como ele é destrutivo para eles próprios. Também há canais no YouTube que tratam desta temática, como o JoutJout Prazer, apresentado pela Julia Tolezano; o Nátaly Neri, apresentado pela Nátaly Neri, que apresenta o tema sob uma perspectiva negra, e o Tempero Drag, que é apresentado pela drag queen Rita Von Hunty, que também traz este assunto para o debate.
Qual é o seu conselho para as novas gerações?
Meu conselho para as novas gerações é o mesmo que já deixei acima quando falei do papel dos homens na sociedade: (1) ouçam as mulheres e suas demandas, (2) eduquem-se, leiam e entendam o tema, busquem conteúdo de qualidade e bem embasado em plataformas diversas, (3) respeitem o movimento, não o menosprezem e (4) insiram a discussão em espaços em que as mulheres têm mais dificuldades em acessar, entre seus amigos, colegas, familiares, etc. Apenas por meio do nosso posicionamento é que poderemos findar as desigualdades que existem entre os gêneros e criar meninos mais livres, que se desprendam de padrões sociais predatórios a eles próprios, impostos por uma concepção de masculinidade tóxica.
Como o Vinicius bem disse, a partir do momento que começarmos a desconstrução do indivíduo frente a seus próprios preconceitos: discriminações de minorias, violência e estereótipos de gênero, etc., conseguiremos, então, iniciar a construção de uma vivência mais pacífica e harmoniosa para a sociedade.
Por fim, pergunto a você: por que não começarmos agora?
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