Na última semana ultrapassamos 106 mil mortes relacionadas ao coronavírus no Brasil, uma quantia inexplicável de vidas perdidas cuja frieza dos números é incapaz de retratar. Desde o surgimento dos primeiros casos passamos a conviver com relatos fortes, a morte parece ter invadido nosso cotidiano e se fixado nele. Isso nos leva ao questionamento: o que poderíamos ter feito de diferente?
Conforme a professora Marília Fiorillo, em entrevista à Rádio USP, a postura negacionista de certos líderes teria gerado tanto perigo quanto a pandemia: “aqueles para quem milhões de mortes não interessam, se mostram muito mais inclinados à tirania e ao menosprezo pelo principal dos direitos humanos, que é o direito à vida”.
Com base nisso colocamos em pauta o conceito de necropolítica, desenvolvido pelo historiador camaronês Achille Mbembe. O termo aponta para a “expressão da soberania no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”. A negligência, por exemplo, pode ser interpretada como necropolítica, uma estratégia de negação à vida ou exposição à morte.
Algo curioso acerca da necropolítica é que seu fazer não precisa ser necessariamente bélico, muito embora possa sê-lo. Ela aparece formas de violência sutis, íntimas e veladas. O necropoder pode carregar traços como a fragmentação territorial, a apropriação de recursos como água, terra e espaço aéreo. Sua marca é a falência do sistema de sobrevivência do “inimigo”.
Mbembe é preciso ao descrever seu conceito:
Formas contemporânea que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror. Vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o status de “mortos-vivos”.
A gestão da saúde e o controle das atividades durante a pandemia são campos vastos para serem explorados pelos estudos de necropolítica. A atuação do Estado influi diretamente na vida ou morte dos cidadãos. Medidas de isolamento social e apoio financeiro são formas de proteger os indivíduos. A postura “negacionista” fragiliza a defesa à vida e fortalece o necropoder.
Embora esse debate preconize a necropolítica em meio à pandemia ela também está presente em outros nuances do nosso cotidiano, onde sequer nos atentamos. Sendo assim é importante mantermos a guarda alta, nos protegermos e cuidarmos dos nossos. Pois como diria Emicida: “você é o único representante do seu sonho na face da terra”.