De maneira geral cabe ao Estado o monopólio da violência, administrando-a para proteção das suas fronteiras e dos seus cidadãos contra inimigos externos. Todavia o uso dessa violência parece desproporcional quando direcionado para o ordenamento interno do país. Notícias como o fuzilamento de um carro familiar – com mais de 80 tiros –, por forças que deveriam nos proteger, causam forte angústia.
Conforme o jornal El País as mortes em operações policiais vêm aumentando no Brasil, apesar da quarentena. No estado do Rio, 290 pessoas morreram em dois meses em intervenções das forças de segurança, apesar da diminuição do crime durante a pandemia. A recorrência de mortes nessas operações leva jornais como NY Times à seguinte denúncia: “Policiais militares têm licença para matar no Estado do Rio”.
Torna-se latente o uso excessivo da violência por forças estatais. Todavia, nos últimos anos vem tornando-se pauta nos debates de Segurança Pública o “excludente de ilicitude”. Essa medida visa criar uma “retaguarda jurídica” pois o presidente Jair Bolsonaro considera uma “irresponsabilidade” enviar jovens soldados para operações de rua sem a garantia de que eles possam atuar sem risco de serem processados por eventuais mortes em confrontos.
O abuso da violência como instrumento para o “controle social” é um retrato do fracasso da autoridade estatal. A violência pode gerar obediência, mas não gera consentimento. A mais violenta forma de governo é a menos poderosa.
Vejamos a proposição da historiadora alemã de origem judaica Hannah Arendt:
“Poderia um ato de violência ser capaz de suscitar a obediência (com que pode contar qualquer criminoso ao arrebatar-me a carteira com a ajuda de uma faca ou assaltar um banco com a ajuda de um revólver). É o apoio do povo que confere poder às instituições de um país. De acordo com o governo representativo, é o povo que detém o poder sobre aqueles que o governam”
Por essa concepção a forma mais poderosa de governo se baseia no máximo apoio popular. Um governo sem respaldo público busca na violência os instrumentos para ser obedecido. A tirania é o exemplo mais acentuado de um governo pautado na violência.
O uso da violência é um atestado da incapacidade de se fazer respeitado. A violência sistemática, contra corpos específicos, denota traços de uma necropolítica. A resistência a isso é tanto um ato de sobrevivência como um ato político.