Segundo avaliação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o impacto econômico da pandemia poderá levar a 25 milhões de novos desempregados, o que elevaria para mais de 200 milhões o número de pessoas sem emprego, no mundo todo. Existem estimativas mais moderadas. E mais pessimistas. Mas todas levam ao mesmo ponto: os mais afetados serão os pobres, os jovens com salários baixos, as mulheres, os trabalhadores informais e os que não tem educação formal.
Nesses mais de seis meses de pandemia descobrimos que muitos tipos de trabalho podem ser feitos à distância: os que não podem e não são essenciais, fecham vagas, reduzem horas e salários, ou demitem. Já no trabalho remoto, quem não tem condições técnicas, equipamento ou acesso à infraestrutura digital, também corre o risco de demissão.
Com o isolamento social, o setor de serviços, responsável por mais de 60% do PIB, foi um dos segmentos mais afetados, incluindo restaurantes & afins, hospedagem, salões de beleza, academias, reparos, turismo, diversão e comércio. Sem contar que o comércio atacadista e varejista tem um baixo número de vagas para trabalho remoto. Exatamente os setores onde se concentram os trabalhadores de mais baixa renda.
A taxa de desemprego no Brasil, no primeiro semestre, subiu para 12,2% segundo o IBGE, atingindo 12,9 milhões de pessoas. E, para o Ibre/FGV, deve fechar o ano com uma taxa média de desemprego em torno de 18,7%. Segundo o Instituto, a pandemia já afetou o trabalho e a renda de 53,5% das famílias brasileiras por um dos motivos que segue: pelo menos um membro foi impedido de trabalhar pelo isolamento, teve jornada e salário diminuídos, contrato suspenso ou foi demitido.
Se aprendemos algo com a pandemia, foi que não temos controle. Então, vamos além – vamos nos preparar para o incerto.
A única constante é a mudança. Heráclito.
Podemos, sem dúvida, falar no antes e depois da economia digital com a pandemia. Não há como antecipar como será o mundo do trabalho, mas os impactos já são mensuráveis – as empresas e colaboradores precisaram se adaptar na marra ao trabalho remoto, ao mesmo tempo em que milhões de postos de trabalho eram simplesmente destruídos. As lojas físicas deixaram de ser relevantes e aprenderam que as vendas podem ser também digitais. As escolas mudaram 10 anos em menos de 2 meses e reaprenderam a aprender. Apenas exemplos.
Só os segmentos de mercados, produtos alimentícios, bebidas, médicos e produtos farmacêuticos não foram afetados, registrando aumento de vendas.
Enquanto isso, setores inteiros da economia, como os ligados ao turismo, entre outros, sequer imaginam como vão se recuperar. Ninguém sabe. Não há previsões. A única certeza que temos é que a crise é global, pela primeira vez na história.
Artigo publicado no blog do FMI (Fundo Monetário Internacional) e postado pela CNN Brasil, analisa os setores mais atingidos pela crise, a vulnerabilidade dos menos preparados e como a desigualdade pode ser agravada sem apoio governamental. E conclui: “A crise da pandemia mostrou claramente que a possibilidade de trabalhar online foi um fator crucial para a capacidade das pessoas de manter seus empregos. Investir em infraestrutura digital e diminuir o fosso digital entre diferentes grupos permitirá que os mais vulneráveis participem da economia futura”.
O futuro é incerto? Prepare-se.
Sempre foi, mas não pensávamos sobre isso, pois tínhamos a ilusão de controle. Mas o bom mesmo é que somos adaptáveis (alguns mais, outros menos) e podemos seguir com a mudança. Se na natureza os mais adaptáveis sobrevivem, no emprego são os mais preparados.
Isso significa, antes de tudo, aprimorar a educação, as competências e habilidades. Aprender, aprender e aprender para diferenciar-se. E ser criativo. Esse é o plano para vencer a crise.
Os governos devem fazer a sua parte e o mundo todo está voltado para a recuperação da economia pós-pandemia. A OIT coordena uma resposta internacional sobre três pilares: proteger os trabalhadores, estimular a economia e emprego e assegurar emprego e renda – além do diálogo entre governos, empregadores e trabalhadores para encontrar soluções.
As profissões mudaram ou estão mudando para acompanhar as novas necessidades da população, exigindo novos conhecimentos, muitos disponíveis gratuitamente na rede – é preciso correr atrás. Tudo que puder ser feito para aprimorar-se profissionalmente e pessoalmente, deve ser feito.
Não há muitas dúvidas, segundo especialistas, de que quem trabalha em TI, saúde, telecomunicações, comércio eletrônico e varejo de alimentos aumenta suas chances de manter o emprego.
Segundo o jornal Financial Times, por exemplo, empresas de tecnologia na Califórnia continuam contratando e abriram mais de 15 mil vagas apenas em uma semana de março, três vezes mais que no ano anterior, para atender as demandas do mundo digital.
Ao mesmo tempo, novos mecanismos de venda são criados para o setor de serviços, como os apps para os pequenos fornecedores incentivando o consumo local, dezenas de serviços de delivery, novos modos de produção, redes sociais levando à interação direta do fornecedor/consumidor, facilidades de pagamentos. Ou novos conceitos como dark kitchen, escolas de gastronomia para classes menos favorecidas, marketing digital para microempreendedores, cursos online de todas as áreas. Trata-se de formar pessoas e criar oportunidades.
Foram meses de aprendizado intenso e muito mais é necessário. Só para citar exemplos, professores, que já mudaram de uma maneira inimaginável, vão precisar do domínio completo da tecnologia e das redes sociais para manter o aprendizado dos alunos; personal trainers usarão cada vez mais ferramentas tecnológicas de monitoramento físico; profissionais de limpeza devem aprimorar-se para garantir a eliminação de bactérias e germes; motoristas aprenderão cada vez mais sobre prevenção da saúde…
Jovens na mira do cuidado
Em entrevista à BBC Brasil, Stefano Scarpetta, da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), afirmou que “existe o risco de se criar uma geração perdida de jovens profissionais, cujos efeitos podem ser sentidos ao longo de muitos anos, caso não haja intervenções positivas de governos e empresas”. Isso porque os que já estão no mercado de trabalho podem estar mais expostos a empregos precários, e os que ainda não estão, têm poucas oportunidades de entrar.
Segundo as pesquisas realizadas pela OCDE, “os três primeiros anos de entrada no mercado de trabalho são cruciais para as perspectivas futuras profissionais”. Dados da OIT mostram que 1 em cada 5 jovens teve que parar de trabalhar por causa da pandemia, ou teve sua jornada reduzida em 23% em média.
Isso aconteceu, segundo ele, na crise financeira de 2008, quando os jovens nem se davam mais ao trabalho de procurar emprego porque não havia vaga para eles – o que criou o ‘nem-nem’ – jovens que nem estudavam, nem trabalhavam. Os jovens e as mulheres, segundo o diretor geral da OIT, Guy Ryder, estão sendo os mais afetados. E quando entram no mercado de trabalho em um momento ruim, levam tempo para se recuperar.
Scarpetta cita o exemplo do Japão nos anos 90, quando os jovens tiveram uma década perdida: sem conseguir emprego foram para posições precárias e quando a economia se recuperou, não conseguiram bons empregos porque as empresas contratavam os que acabavam de se formar. E ganharam o estigma de segunda classe.
A palavra de ordem é investir nos jovens para que não abandonem as escolas, orientando-os sobre como se qualificar, com programas de mentoria e aprendizagem. Ou “teremos uma geração perdida”, para Scarpetta.
Trata-se, segundo ele, de combinar apoio financeiro com orientações para que continuem investindo na educação e no desenvolvimento de habilidades: “não é só dar dinheiro, mas apoio”.
A preocupação da OCDE é que os mais jovens aspirem a profissões que não reflitam as necessidades futuras do mercado de trabalho, aumentando a dificuldade de conseguir se empregar. A conclusão vem de pesquisa feita pela entidade com estudantes de 15 anos do mundo inteiro que mostra um número limitado de carreiras citadas por eles: médico, advogado, policial, psicólogo, professor e arquiteto.
“A pesquisa mostra que muitos adolescentes estão ignorando ou não têm conhecimento de novos tipos de trabalho que estão emergindo, sobretudo em razão da digitalização”, afirma Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE.
Um caminho bom e viável para Scarpetta é “ajudar os jovens a aprender a aprender”.
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