O ano de 2020 será palco de eleições municipais em todo o Brasil. As datas do processo eleitoral foram remarcadas em função das complicações decorrentes do novo coronavírus. O primeiro turno passará a ser disputado no dia 15 de novembro. O possível segundo turno está agendado para o dia 29 de novembro.
Definiu-se o dia 26 de setembro como data limite para o registro das candidaturas. Apesar disso, os pré-candidatos já estão se articulando para disparar na frente dos seus opositores. O alvo é a cobiçada simpatia dos eleitores. As armas são quase sempre as mesmas.
Essa batalha política é disputada em variados campos, todavia a arena principal é aquela que remete ao discurso. As palavras dispersas inocentemente em nosso cotidiano passam a possuir um novo simbolismo. As palavras passam a ser assimiladas como armas e são usadas assiduamente para influenciar o eleitor.
Nessas circunstâncias se tornam perceptível um forte embate narrativo entre “antigos vs. modernos”. Uma disputa maniqueísta que divide a política em dois extremos e visa ludibriar o eleitor. Ressaltamos que nem sempre o “moderno” significa algo positivo, embora quase todos pareçam desejar essa alcunha.
Até mesmo políticos imbricados nas estruturas mais tradicionais da política não titubeiam ao se classificar como modernos; os netos das velhas oligarquias também desejam ser chamados por esse título, com a promessa de renovação; o político mais conservador e o mais progressista carregam em comum o sonho do progresso.
É simples entender o desejo por esse discurso pautado no futuro: com essa proposta o pretenso político desvia o foco da narrativa para o posterior, criando expectativas no eleitor. Esse recurso é entendido como “mito póstero”, tirando os olhos do cidadão do hoje mediante uma projeção do que está por vir. Uma pessoa que ouse discordar do projeto é taxada de pessimista, referida como alguém sem civismo ou sem fé.
O antropólogo francês Bruno Latour faz uma problematização acerca desse tipo de discurso e considera que “jamais fomos modernos”:
“Moderno”, portanto, é duas vezes assimétrico: assinala uma ruptura na passagem regular do tempo; assinala um combate no qual há vencedores e vencidos. Se hoje há tantos contemporâneos que hesitam em empregar este adjetivo, se o qualificarmos através de preposições, é porque nos sentimos menos seguros ao manter essa dupla assimetria: não podemos assinalar a flecha irreversível do tempo nem atribuir um prêmio aos vencedores. Nas inúmeras discussões entre os antigos e os modernos, ambos têm hoje igual número de vitórias, e nada nos permite dizer se as revoluções dão cabo dos antigos regimes ou os aperfeiçoam.
Através da crítica ao discurso do “moderno” pontuamos que essa narrativa é sempre fácil e sempre sedutora. Sendo assim, ao observarmos o jogo político devemos estar atentos aos seus nuances. Muitos políticos apropriam-se de um discurso apenas para fins eletivos, portanto devemos ser críticos.
Finalizo com a sugestão do trecho intitulado Comício Populista do filme Terra em Transe, produzido pelo cineasta brasileiro Glauber Rocha em 1967. A cena em questão foi protagonizada pelo ator Flávio Migliaccio e nos impacta por parecer atual mesmo 60 anos depois.
http://https://www.youtube.com/watch?v=CMhxemk5dYw Terra em Transe – Glauber Rocha