Laranja Mecânica é uma estória de violência e terror, criada por Anthony Burgess em 1962, tendo como palco um futuro não determinado e distópico. O protagonista dessa trama é o jovem Alex, um delinquente juvenil, que conta a história dos seus excessos criminosos e da sua “reeducação” no sistema prisional.
A obra é transpassada por uma linguagem particular, denominada “nadsat”, composta por mais de duzentos vocábulos, tirados principalmente de palavras eslavas, às vezes com semântica modificada, de gírias dos ciganos da Inglaterra e de raízes da própria língua inglesa.
Nesse texto nos ateremos a uma análise acerca dos conceitos de memória e esquecimento, centrados no processo de reeducação de Alex, face ao sistema prisional e ao método Ludovico.
O método ou a técnica Ludovico consistia na exposição exaustiva do prisioneiro a cenas gravadas de violência, assaltos, estupros e assassinatos (comportamentos praticados por Alex). Os idealizadores do projeto objetivavam que o prisioneiro criasse uma memória negativa relativa a esses atos.
A experiência submetia Alex à ingestão de droga inconscientemente, os efeitos colaterais delas eram sentidos durante a exibição dos vídeos. Alex acabava por assimilar náuseas e dores corporais (provocadas pelas drogas) como reações ao conteúdo assistido. Ia se construindo, em sua memória, uma percepção negativa e indesejada a esse modelo de comportamento. Parecia um sucesso!
O tratamento Ludovico, posteriormente, passaria a reduzir as doses de drogas. Todavia, Alex já havia cristalizado uma memória que interligava os assistidos a uma sensação desagradável. Esse trauma impedia a repetição dos atos violentos, Alex foi considerado “reeducado” e libertado. Porém não conseguia sequer ouvir as músicas que formavam a trilha sonora dos filmes assistidos. Sentia náuseas e dores corporais.
Atrelamos esse trecho da obra de Burgess a dois campos de estudo da memória: o enquadramento e o trauma. O enquadramento é um trabalho de construção, onde fragmentos são repetidos, tendo em vista fixação na memória. O trauma, por sua vez, é comumente entendido por termos como disfunção, impedimento e esquecimento.
O trauma de Alex, entretanto, não alcançara o estágio do esquecimento, o que teria lhe causado alívio. Acontece que as memórias desconfortáveis, enquadradas em sua memória, continuavam sendo atualizadas diariamente. Sua reinserção na vida social colocava-o face à cenas que o “engatilhavam”. Alex sofria ao ler jornais, em passeios cotidianos e até mesmo ao tentar ouvir músicas que amava.
A existência, para Alex, passava a ser insuportável. Nesse sentido, concluímos com um trecho do historiador Andreas Huyssen, considerando a importância do esquecimento para uma vida saudável.
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