Ouviram do Ipiranga as margens plácidas/ De um povo heroico o brado retumbante/ E o sol da liberdade, em raios fúlgidos / Brilhou no céu da pátria nesse instante.
Desde a infância nos acostumamos a ouvir o Hino Nacional Brasileiro, provavelmente sequer lembramos a primeira vez que ouvimos esse som. Ele estava presente em nossas primeiras séries escolares, solenidades públicas, comemorações e, até mesmo, quando assistimos competições esportivas.
O hino – juntamente com a bandeira, o brasão e o selo – compõe o conjunto de símbolos nacionais brasileiros, que tem por finalidade representar o país e consolidar uma memória coletiva. Esse processo de uniformização visa construir uma ideia homogênea de Brasil e ainda conta com outros subsídios, como a construção de monumentos e a institucionalização de datas cívicas.
A memória coletiva atua para um ideal de coesão, reforçando o sentimento de pertencimento e delimitando fronteiras sociais em grupos de tamanhos distintos. Consideramos os atos coordenados para sua constituição como um “trabalho de enquadramento da memória”.
O historiador austríaco Michael Pollack define da seguinte forma:
O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história. Esse material pode sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número de referências associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de modificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em função dos combates do presente e do futuro.
O “Grito do Ipiranga”, tradicionalmente comemorado no dia 7 de setembro, pode ser considerado um exemplo objetivo desse trabalho de enquadramento da memória e reinterpretação do passado. O evento foi – e continua sendo – incessantemente explorado, visando a criação duma narrativa coesa e unificada acerca da Independência do Brasil.
Se por um lado esse processo pode ser positivo, ao reforçar os laços de pertencimentos dos cidadãos brasileiros; por outro acaba excluindo narrativas subalternas, como embates regionais que defendiam essa mesma bandeira.
A título de demonstração: podemos afirmar que esse grito não foi ouvido na mesma proporção na região nordeste do país, sobretudo na faixa que contempla os estados do Maranhão, Piauí e Ceará.
Os sujeitos ali situados precisaram pegar em armas, ou melhor, em foices, facões e pedaços de madeira para assegurar sua independência.
Através de um embate sangrento, conhecido como Batalha do Jenipapo, muitos nordestinos pereceram diante das tropas portuguesas sob comando de João José da Cunha Fidié.
O confronto realizado no dia 13 de março de 1823 foi um marco para a defesa da região norte do país durante o processo de independência, tendo em vista que Portugal desejava manter o controle de alguns pontos da sua ex-colônia.
A derrota sertaneja diante da bem armada tropa portuguesa foi comemorada, pois conseguiu desestruturar o exército comandado por Fidié, causando sua desintegração.
Às margens do Ipiranga não houve derramamento de sangue, foi no sertão nordestino onde se travou a batalha mais dura para consumação da Independência do Brasil e consolidação da sua unidade territorial.
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