Se ainda não leu, recomendo a leitura deste livro do historiador islaelense Yuval Harari – Notas sobre a Pandemia: Breves lições para o mundo pós-coronavirus .
A coisa mais importante que as pessoas precisam compreender sobre a natureza das epidemias talvez seja que sua propagação em qualquer país põe em risco toda a espécie humana.
Uma coletânea de artigos e entrevistas desde março de 2020 , publicados em revistas , periódicos e canais de TV do mundo contemporâneo , com insights e um debate precioso sobre os impactos do Covid na economia, governos e na sociedade como um todo.
Em síntese, Harari advoga a ideia de que só podemos vencer o vírus com informação, confiança e colaboração e assim provamos que somos Homo Sapiens. A crise do covid-19 não representa apenas uma crise de saúde mas uma grande crise política e econômica.
Um traço marcante de todas as crises é o esquecimento de respostas aos desafios delas decorrentes . Vencem-se as crises com respostas no presente às perguntas que ficaram ausentes no passado.
A humanidade sobreviveu a muitas crises sanitárias, como a epidemia da Aids, a da gripe de 1918-9 e a peste negra. Em termos puramente médicos, a covid-19 é muito menos perigosa que algumas das doenças que já enfrentamos. No começo dos anos 1980, se você contraísse Aids, era morte certa.
A peste negra matou entre um quarto e metade das populações atingidas. A gripe de 1918 matou mais de 10% da população total em alguns países.
Apenas para comparar e não para celebrar, a não ser que alguma mutação perigosa ocorra, é pouco provável que o covid-19 mate mais do que 1% da população em qualquer país, destaca Harari. O fato é que a humanidade está mais preparada para enfrentar essa pandemia veloz e letal pela sua abrangência, desde que fundem-se as suas ações em cooperação, confiança global e informações criveis.
Esta não é uma história da pandemia do covid-19 e da crise do coronavírus. Haverá tempo suficiente no futuro para escrever essa história, afirma mais um vez Harari . O desafio é o devemos fazer aqui e agora.
A epidemia do coronavírus é, portanto, um grande teste de cidadania. As melhores mentes humanas já não gastam seu tempo tentando dar um sentido à morte. Em vez disso, ocupam-se em prolongar a vida.
Em vez de prometer algum tipo de paraíso no pós-vida, agora enfatizam o que podem fazer nesta vida. Por séculos a fio, as pessoas usaram a religião como um mecanismo de defesa, acreditando que existiriam para sempre uma vida eterna no pós-vida. Agora nos interessa saber o que vamos fazer nessa vida .
Harari também nos traz a memória uma outra referência a vida.
“Depois da morte, como saber se as pessoas se lembram de você ou não?. Certa feita perguntaram a Woody Allen se ele desejava viver eternamente na memória dos cinéfilos. Allen respondeu: “Prefiro continuar vivendo no meu apartamento”.
A pergunta não é saber como vamos superar a ameaça imediata, mas que tipo de mundo habitaremos uma vez passada a tempestade.
Sim, a tempestade passará, a humanidade sobreviverá, a maioria de nós ainda estará viva — mas habitaremos um mundo diferente. Muitas medidas emergenciais de curto prazo se tornarão parte da nossa vida. Essa é a natureza das emergências: elas aceleram os processos na história.
Agora não é o momento de escrevê-la, mas de fazer a história, através das decisões que tomamos no presente .
Como historiador, diz Harari, “não posso oferecer aconselhamento médico, nem prever o futuro”. Lembro que o vírus não molda a história. Os humanos, sim. Somos muito mais poderosos do que os vírus, e cabe a nós decidir como responderemos a esse desafio.
O aspecto do mundo depois do covid-19 depende das decisões que tomarmos hoje.
O maior risco que enfrentamos não é o vírus, mas os demônios interiores da humanidade: o ódio, a ganância e a ignorância.
Podemos reagir à crise propagando ódio: por exemplo, culpando estrangeiros e minorias pela pandemia ou politizando cada palavra, semeando a discórdia. Ou fazer como alguns políticos fazem: empurram a responsabilidade uns para os outros como quem lança uma granada de mão sem pino.
Podemos reagir à crise estimulando a ganância. Explorando a oportunidade para aumentar os lucros, como fazem as grandes corporações ou governos corruptos desviando recursos públicos para enriquecimento pessoal ou de grupos políticos. Estimulando fraudes e desvios de recursos.
Podemos reagir à crise disseminando ignorância. Espalhando e acreditando em ridículas teorias da conspiração ou em curas mágicas que enganam as pessoas.
Se assim reagirmos, será muito mais difícil lidar com a crise atual; o mundo pós-covid-19 será um mundo desunido, violento e pobre. Podemos reagir gerando compaixão, generosidade e sabedoria, prega Harari.
A coisa mais importante que as pessoas precisam compreender sobre a natureza das epidemias talvez seja que sua propagação em qualquer país põe em risco toda a espécie humana.
A pergunta na ponta da língua de todos, desde a Casa Branca, passando por Wall Street, até as varandas na Itália, é: “Quando fica pronta a vacina?”. Quando ficará pronta e não se ficará pronta.
Este um bom exemplo da luta pela vida e não um guerra onde se busca com armas de destruição eliminar pessoas.
Como o vírus nos ataca . Os humanos são especialmente vulneráveis a epidemias, pois somos animais sociais. E é assim que epidemias se propagam.
O que é capcioso nos vírus é que eles muitas vezes usam os melhores instintos da natureza humana contra nós mesmos.
Por paradoxal que seja somos atacados não apenas porque gostamos de socializar, mas também o fato de que ajudamos uns aos outros. Quando alguém adoece, a coisa óbvia e natural a fazer, especialmente se se trata de um membro da família ou um amigo, é prestar auxílio, cuidar, dar apoio emocional, tocá-lo, abraçá-lo. E é exatamente assim que o vírus se propaga.
Então o vírus se vale das melhores partes da natureza humana contra nós. E há dois modos de lidar com isso: um modo é dar informação às pessoas. Se as pessoas confiam nas informações que recebem, elas podem temporariamente mudar de comportamento até o fim da epidemia.
Harari nos alerta: se as pessoas não acreditarem nas informações que recebem, e não agirem movidas pela confiança, poderão ser obrigadas a isso por um regime onipresente de monitoramento. Essa é a coisa mais perigosa. Espero que a humanidade não siga nessa direção da ” marcha da insensatez “.
Gostaria também de destacar a atitude exemplar de Yuval Noah Harari, em julho de 2020: o autor abriu mão dos direitos autorais deste livro para que a editora possa doar parte do resultado das vendas para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que ajuda as vítimas da covid-19 no Brasil.
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