Provavelmente você já ouviu falar sobre o “panóptico” ou o “olho que tudo vê”. É bem possível que você já tenha entrado numa loja e lido o anúncio: sorria, você está sendo filmado. Trata-se de um instrumento de controle, onde o olhar exerce a função dum vigia, que inibe condutas desviantes.
Esse conceito deriva duma proposta do filósofo e jurista inglês Bentham, desenvolvida para descrever uma penitenciária ideal em 1785. O teórico inverte o princípio da masmorra, que era um celeiro subterrâneo utilizado como cárcere, ela tirava os sujeitos indesejados do campo de visão do público.
Para Benthan a prisão ideal deveria sujeitar o indivíduo a uma constância do olhar vigilante, causando-lhe mal-estar e apreensão, condicionando-o a “boas” condutas. Eis o princípio, nas palavras de Foucault:
Na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar.
Prosseguimos e constatamos o desdobramento dessa estrutura:
Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido, ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha.
Observamos que a constância do olhar vigilante passa a ser um instrumento de controle, que pode ser readaptado e reformulado para aplicação fora de ambientes prisionais, como os descritos acima.
Podemos observar o exercício desse olhar através de ruas planejadas em linha reta, permitindo a extensão do campo visual por seguidos quarteirões; citamos logo no início do texto o exemplo de lojas e suas câmeras de segurança, acompanhadas dum aviso passivo-agressivo.
Mas é bem verdade que atualmente alcançamos um momento social que extrapolamos o ”panóptico” e alcançamos o “sinóptico”.
O conceito do “poucos vigiando” vai aos poucos sendo reconfigurado para o de “muitos vigiando poucos”. Os indivíduos vigiam com boa vontade e gosto, na verdade pedem mais coisas para vigiar. Definitivamente, ocultar a vida pessoal da “vigilância pública” deixou de ser algo desejado.
As relações mediadas por telas tornaram a captura do olhar cada vez mais presente em nossas vidas. Registramos detalhes do nosso cotidiano através de fotos e vídeos num ritmo frenético. Vigiamos a nós mesmos e aos que nos cercam. Essa mudança de panorama é analisada por Bauman:
Se o Panóptico representou a guerra de atrito contra o privado, o esforço de dissolver o privado no público ou de pelo menos varrer para debaixo do tapete todos os fragmentos do privado que resistiriam a ser moldados de forma publicamente aceitável, o Sinóptico reflete o ato de desaparecimento do público, a invasão da esfera pública pela privada, sua conquista, ocupação e paulatina mas inexorável colonização.
Nesse sentido, em muitos momentos, agimos como olhos vigilantes e capturamos nossos próprios passos, exibindo-os para que outras pessoas os admirem e tentem imitá-los. Não há problema em fazer isso, mas devemos estar conscientes enquanto fazemos.
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