Pela primeira vez uma série popular nos anos 70 ou 80 não ganha uma versão satírica como aconteceu com Anjos da Lei ou Starsky e Hutch – Justiça em Dobro. Mas o projeto de adaptar a popular e cultuada série Ilha da Fantasia como um filme de suspense não foi tão ruim assim. Pena, é claro, que não poderemos vê-la no cinema por causa da pandemia, mas o filme está chegando hoje em várias plataformas digitais.
A Ilha da Fantasia foi estreou em 1977,fruto da imaginação do produtor e roteirista Gene Levitt. Conhecido na televisão por trabalhar em séries importantes como Os Audaciosos, Combate!, Maverick e Bat Masterson, Levitt havia trabalhado com Aaron Spelling na série S.W.A.T. Spelling, um dos produtores mais importantes da história da TV Americana, já estava no horário nobre com As Panteras e Starsky & Hutch, e achou o projeto da Ilha da Fantasia algo que valia a pena investir.
A ideia é que essa ilha seria um parque temático para adultos, onde poderiam realizar sua mais intima fantasia. Um lugar onde casais pudessem se reencontrar, famílias separadas por algum motivo dramáticos, teria a ilha como ponto de um novo recomeço. E por aí vai. Antes da série entrar no ar em janeiro de 78, foram produzidos dois telefilmes com as linhas gerais do seriado. Mas a recepção foi diferente do que Speeling e Levitt esperavam.
A Ilha da Fantasia e De Volta à Ilha da Fantasia tinham um tom mais sombrio do que alegre. As primeiras exibições fechadas, o público sentiu que o personagem de Ricardo Montalban, o misterioso Senhor Rourke, tinha um ar muito sinistro. Para um lugar onde era para satisfazer os desejos das pessoas, o primeiro filme não estimulava essa ideia. O segundo telefilme, o clima foi amenizado, mas algo precisaria mudar para a série dar certo.
E isso aconteceu quando sugeriram colocar o ator francês Hervé Villechaize. Hervé tinha içado à categoria de vilão internacional da série James Bond, quando interpretou o sinistro Nick Nack bracinho direito do Dr. Scaramanga (Christopher Lee), o nêmese de James Bond (Roger Moore) em 007 contra O Homem da Pistola de Ouro. Hervé entrou na série para ser Tatoo, o assistente de Rourke que sempre perguntava ao chefe o que aqueles turistas queriam na Ilha da Fantasia. Ele também virou ícone da cultura pop ao fazer parte da abertura da série ao gritar em alto e bom tom “The Plane! The Plane!” (O Avião! O Avião!, na versão brasileira da Herbert Richers).
Aliás, quem quiser conhecer melhor Hervé, assista o telefilme na HBO Go, Jantar com Hervé, interpretado por Peter Dinklage (Game of Thrones). A série durou sete temporadas, todas exibidas no Brasil a partir da Rede Globo exibir parte delas. As duas ultimas não tem a participação de Hervé que, após ficar popular na televisão, virou uma personalidade insuportável, sendo demitido da produção. Em 1998, a Sony tentou fazer uma nova versão, estrelada por Malcolm McDowell, muito sombria e cheia de suspense. Não decolou.
O que nos leva ao longa-metragem que chegou hoje às plataformas digitais. A versão cinematográfica de A Ilha da Fantasia estava nos planos da Sony, antiga Columbia Television, de levar alguns de seus sucessos da telinha para versões para o cinema. Foi assim com As Panteras (2000) e S.W.A.T. (2003), mas o projeto da Ilha ficou em pausa. E como outras adaptações de seriados como Os Destemidos, Starsky & Hutch, Anjos da Lei não fizeram o sucesso pelo tom satírico, por que não mudar o tom?
Foi assim que o projeto da versão de A Ilha da Fantasia foi parar na Blumhouse, produtora de Jason Blum que se estabeleceu em Hollywood como um produtor de filmes de custo baixo, mas longe dos roteiros podres de seus antecessores como Charles Band e a sua Empire Pictures, que nos anos 80 fizeram vários filmes de terror e ficção usando “defeitos especiais”. No currículo da Blumhouse estão pequenas obras-primas do suspense como Corra! (2017), a franquia Sobrenatural, e a nova e assustadora versão de O Homem Invisível (2020).
Logo, o que se pode esperar dessa versão? É bom deixar tranquilo que essa versão não é uma sátira, mas uma versão mais sóbria e tensa do seriado da TV. O Senhor Rourke é interpretado talentosamente por Miguel Peña, que esteve em Homem formiga e, infelizmente, na versão para o cinema deCHiPs. Ele não tenta imitar Ricardo Montalban, mas tem uma certa dignidade no olhar quando mostra para seus convidados como irão iniciar seus desejos.
É bom saber que existe uma pegadinha quando se pede o desejo: dando certo ou não, a pessoa terá que ir até o final com a realização do desejo. Isso acaba deixando todos confortavelmente tensos quando perceber que algo está errado e terrão que aguentar a barra até o final. Não cabe aqui contar quem deseja o que. Mas acredito que a referência principal do diretor Jeff Wadlow, que escreveu o roteiro com Chris Roach e Jilliam Jacobs, é o livro de Agatha Christie, O Caso dos Dez Negrinhos, que hoje foi retraduzido para E Não Sobrou Nenhum.
O elenco dessa Ilha traz nomes importantes tanto do cinema como da televisão. Começando por Lucy Hale, da série Pretty Little Lies, seguida de Maggie Q, que esteve na nova versão de La Femme Nikita e na série Designated Survive, Michael Rooker,de Guardiões da Galáxia, e o jovem Jimmy O. Yang, do filme Podres de Rico e da série Space Force. Fique ligado em Jimmy, por que à ele será designado uma importante mensagem para uma futura continuação.
A Ilha da Fantasia não decepciona para quem procura um suspense diferente com as credenciais da Blumhouse. Fãs mais ardorosos da série vão ficar chateados por vários motivos, mas o filme continua sendo um bom programa para um final de tarde, mesmo não podendo ser visto nos cinemas por causa da pandemia.
A Ilha da Fantasia pode ser visto nas plataformas digitais para compra e para alugar da Apple TV (iTunes), Google Play, Microsoft Films &TV (Xbox), e PlayStation Store. E somente para alugar no Looke, NOW, Oi Play, SKY Play e Vivo Play.