Memento mori é uma expressão em latim traduzida como “lembre-se da morte”. Ela é adotada na filosofia e na arte com o intuito de conscientizar os indivíduos sobre a efemeridade de tudo que é vivo, sobretudo, deles próprios.
Este saber limita a prepotência, promove e dimensiona o modo de cada ser existir. Algumas de suas últimas consequências é propiciar que os sujeitos vivam – em vida.
Dado que a arte é uma das ferramentas para disseminar saberes, eis a literatura como seu produto e produtor. A poesia, devido à sua possibilidade de apresentar-se breve, é o que traz conteúdo cirúrgico.
Assim, seguem 7 poemas que trazem o tema da morte em diferentes relações:
Herberto Helder
os capítulos maiores da minha vida, suas músicas e palavras,
esqueci-os todos:
octogenário apenas, e a morte só de pensá-la calo,
é claro que a olhei de frente no capítulo vigésimo,
mas não nunca nem jamais agora:
agora sou olhado, e estremeço
do incrível natural de ser olhado assim por ela
Volta ao lar – Ferreira Gullar
Entra em casa o poeta de 52 anos.
Transpõe a sala vai até o escritório
larga a pasta tira o paletó –
de repente
sabe que vai morrer.
Com o paletó na mão
dirige-se ao quarto.
Não vai morrer hoje
nem amanhã talvez: apenas sabe
a verdade-lâmina
que sempre soube
e lhe esplende na carne: vai
morrer
embora neste momento
esteja despindo as calças
com que veio da rua.
Da Morte. Odes mínimas – Hilda Hist – XXIX
Te sei. Em vida
Provei teu gosto.
Perda, partidas
Memória, pó
Com a boca viva provei
Teu gosto, teu sumo grosso.
Em vida, morte, te sei.
Da Morte. Odes mínimas – Hilda Hist – XXIV
No meio-dia te penso.
Íntima te pretendo.
Incendiada de mim
Contigo morrendo
Te sei lustro marfim e sopro.
E te aspiro, te cubro de sussurros
Me colo extensa sobre tua cabeça
Morte, te tomo.
E num segundo
Ouvindo novamente os sons da vida
Nomes, latidos, passos
Morte, te esqueço.
E intensa me retomo sob o sol.
Quartetos – Ana Cristina César
Desdenho os teus passos
Retórica triste:
Sorrio na alma
De ti nada existe
Eu morro e remorro
Na vida que passa
Eu ouço teus passos
Compasso infernal
Nasci para a vida
De morte vivi
mas tudo se acasa
silêncio. Morri
Pneumotórax – Manuel Bandeira
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
O último poema – Manuel Bandeira
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
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