Eu não sei o que fazer quanto aos artistas que são homens execráveis. Punir, boicotar e “cancelar” mostrou-se inefetivo. Também não concordo com militâncias via afirmação de superioridade moral e produção de culpa.
Ao contrário do que alguns gritos de ordem sugerem, consumir criações está não é condescender com atos outros de seu criador. Pode ser desafiador separar a obra do artista, dado que há algo dele na produção; mas esta o transcende. Minha solução é permitir-me sentir afetos por pessoas e outros pela arte delas. Ambivalências e contradições são demasiadas humanas.
Nessa discussão, comumente Woody Allen é citado – um homem abominável que contribuiu ao cinema. Uma vez o único diretor que roda um filme por ano, possui mais de 50 longas. Leitor de Freud e Dostoievski, possui uma marca autoral é forte: faz comicidade trágica com temas que passam por psicanálise, religião, filosofia, literatura e morte.
Eu não o admiro. Conheço alguns de seus filmes, gosto de parte deles. Então, seguem comentários breves sobre 30 títulos.
Bananas (Bananas, 1971)
Para assistir ao filme, sinto que devemos contextualizá-lo em sua época. Não digo, contudo, que isso é suficiente para gostar dele.
As tiradas com elementos absurdos são boas, vide a do harpista ou do homem bebendo água em um aquário. Algumas piadas são datadas, o que nem sempre é um demérito. Para mim, o intragável é o retrato do país latino e da revolução. Vale ressaltar que Allen não é um bom crítico político, sendo melhor em fazer filmes sobre realidades que conhece.
Melhor momento: a reportagem ao vivo da noite de núpcias de Fielding e Nancy.
Recomendo? Não.
Sonhos de um Sedutor (Play it Again, Sam, 1972)
Woody adaptou o roteiro do filme de sua peça de teatro homônima, a direção coube a Herbert Ross. Gostei da combinação.
Allen vive o crítico de cinema Allan. Seus gostos, suas neuroses e inabilidades sociais são representadas com um bom humor. Pela primeira vez, e com muita química, ele contracena com Diane Keaton, quem marca a fase de Woody que considero a melhor.
O mais importante é que o filme homenageia Casablanca – que é um dos filmes favoritos de Lygia Fagundes Telles (risos). Seu título original é uma famosa fala que o público imagina que seja do longa, mas inexiste nele.
Melhor momento: o diálogo de Allan com a moça taciturna no museu.
Recomendo? Sim.
A Última Noite de Boris Grushenko (Love and Death, 1975)
Meu gosto por esse filme é ambivalente. Além de potencialmente ofensivo para russos e russas, é impossível deixar passar falas que fetichizam pessoas espanholas e sáficas.
Por outro lado, é a comédia em formato antigo que mais gosto. Nela vejo Bergman e Chaplin; além de Dostoievski, tanto nas referências a personagens quanto na discussão sobre moralidade e permissividade dada a inexistência de Deus. Externada em diálogos vazios com palavras rebuscadas, a crítica ao pedantismo é excelente. Também são os elementos surreais, desde a Morte até as líderes de torcida.
Por fim, comento dos closes nos rostos. Se Diane Keaton não foi filmada de perto em Play it Again, Sam, neste ficou marcada desta forma. Woody também ficou bem nestas cenas, nas quais apresentou os monólogos mais reflexivos.
Melhor momento: a tentativa de assassinar Napoleão.
Recomendo? Não.
Noivo neurótico, Noiva nervosa (Annie Hall, 1977)
O famigerado vencedor do Óscar de Melhor Filme foi o primeiro de Woody de que gostei muito. Por sintetizar os temas caros ao diretor, é minha recomendação a quem conhece pouco ou nada de suas obras.
Seus traços autorais são sintetizados na agridoce narrativa: a neurose, o relacionamento difícil, o incômodo com o pedantismo, os toques cômicos e as referências à arte, filosofia e psicanálise. No mais, mesmo com certa profundidade, seus ótimos diálogos são naturais e fáceis de acompanhar.
Julgo ser aqui que Diane Keaton, para quem o papel foi feito, definiu seu ar de musa em Allen. Convém reparar também em seu figurino, que foi inspirador na época.
Um defeito é o título em português. Além de ser de mau gosto, ressalta o estereótipo machista de mulher descompensada que está implícito em algumas obras do diretor.
Melhor momento: o monólogo inicial de Singer
Recomendo? Sim.
Manhattan (Manhattan, 1979)
Um primeiro elogio sobre a estética do filme que mostra uma bonita e pouco feliz Nova York veio à minha mente. Ele é perfeitamente trabalhado em sua fotografia em P&B e trilha sonora orquestral.
Os romances e o humor não são alívios, mas componentes da melancolia narrativa, que diz respeito sobretudo à dificuldade em ser feliz ou satisfeito. Suas vicissitudes mostram que bons caminhos para tal são a coragem de reconhecer sentimentos e sutilezas, além de “ter mais fé nas pessoas”.
Aliás, duas das personagens mulheres são excelentes: a intelectual Mary (Diane Keaton) e a intimidadora Jill (Meryl Streep), perto das quais Isaac (Allen) se desconcerta e intensifica suas neuroses.
Melhor momento: a introdução com fotografias e prosas poéticas sobre a cidade.
Recomendo: Sim.
Memórias (Stardust Memories, 1980)
Confesso ter assistido ao filme com expectativas altas pois gosto da temática da memória e associo o termo stardust a imagens poéticas. Fui frustrada, ainda que tenha gostado.
Entendi-o como uma autobiografia parodiada. Woody faz de seu personagem alguém contrariado e pressionado pela mídia. Imagino que tenha um valor catártico pra si, intensificado pelo fato de que a crítica identificou-se com seu retrato.
Não é um dos filmes mais conhecidos pelo grande público, que suponho não ter sido o maior alvo. Presumo que quem mais gostará dele são os que acompanham a trajetória do diretor.
Melhor momento: a cena de Woody tentando tirar um pombo do apartamento.
Recomendo: Não.
Sonhos Eróticos Numa Noite de Verão (A Midsummer’s Night Sex Comedy, 1981)
O filme tem explícita inspiração em Sorrisos em uma Noite de Verão (Bergman), de forma que comparações são inevitáveis.
Hobbs (Woody), com suas invenções inusitadas e ações estabanadas, é o que há de engraçado na comédia. Os diálogos sobre casamento, desejo e oportunidades perdidas, junto à morte de um personagem, conferem alguma substância à ela. O questionamento entre a separação de amor e atração foi razoavelmente desenvolvida. Ainda assim, considero o filme passável. Uma motivação para assistir a ele é conferir a primeira vez de Mia Farrow em Allen, de cujas atuações também não gosto muito.
Melhor momento: a bicicleta voadora.
Recomendo? Não.
Zelig (Zelig, 1982)
Com raras exceções, os fãs do diretor adoram este filme. Sua aprovação no Rotten Tomatoes é de 100%, o que também é significativo.
Com um formato de documentário, ele conta a história do camaleão Leonard Zelig, homem que se transforma física e intelectualmente de acordo com a situação em que está inserido. No decorrer da narrativa, percebe-se que a habilidade vem de traumas e vontades de ser aceito, questão que não diz respeito somente ao sujeito, mas também à sociedade norteamericana e o ser-judeu nela.
Em suma, o longa é crítico e de fácil identificação, contendo ainda psicanálise, história e amor.
Melhor momento: Susan Sontag.
Recomendo? Sim.
Broadway Danny Rose (Broadway Danny Rose, 1984)
O filme tem algumas colocações sobre aproveitar a vida, mas não está entre os que mais agregam reflexivamente ao espectador. Sua base é o retrato do showbis e as dificuldades de estar na indústria do entretenimento.
A narrativa cai no clichê do homem atrapalhado fugindo de gangsters com uma mulher perigosa com quem cria-se uma afinidade. Esta personagem é interpretada por Mia Farrow, um papel muito distinto dos demais que ela viveu.
Os pontos que considero mais interessantes são a representação de lealdade unilateral e o fato de que alguém pouco relevante ser assunto de conversas entre amigos. O último é o motivo pelo qual acho o final feliz desnecessário.
Melhor momento: o diálogo entre Danny e Tina no apartamento.
Recomendo? Não.
Hannah e Suas Irmãs (Hannah and her Sisters, 1986)
Este filme já foi meu favorito de Woody. Gosto da forma fragmentada que a narrativa é construída, sem estabelecer protagonistas, com espaço ao desenvolvimento da personalidade dos personagens.
Sou especialmente tocada por Mickey (Allen), apresentado como “o neurótico”. É alguém atormentado por hipocondria e medo de morrer, angústias que o levam a pensar em qual é o sentido de viver e como ocupar seus dias.
Os demais dramas são amorosos. Embora seus temas sejam casamento, traição e desencontro, assim como o final otimista contrário à vontade do diretor, não caem no clichê.
Melhor momento: O drama de Woody quanto ao zumbido no ouvido.
Recomendo? Sim.
Setembro (September, 1987)
Conforme a intenção de Allen, o filme parece uma peça de teatro capturada pelas câmeras.
Ele é ambientado em uma casa de campo, onde todos os personagens se encontram. Os afetos não correspondidos de um pelo outro levam a um drama pouco especial se não fosse a sensação de estar vivenciando-o. Neste contexto, os diálogos um tanto inteligentes destacam-se no roteiro.
Melhor momento: a conversa pautada em física e filosofia sobre o Universo.
Recomendo? Sim.
Crimes e Pecados (Crimes and Misdemeanors, 1989)
Hoje, considero este filme o meu favorito de Allen. Considero que ele tenha se superado no roteiro e na melancolia de sua persona.
O longa alterna entre duas estórias de homens diante de dilemas. Uma é sobre insistir em desejos, outra diz respeito à tomada de atitudes extremas. As consequências de ambas surpreenderiam os moralistas. Não é um spoiler contar que há inspiração em Crime e Castigo, que reverberou em outras três produções.
No mais, os alívios cômicos e as referências a Joyce e à filosofia estão muito bem colocadas. Ainda tem toques poéticos, com destaque à imagem dos olhos com e sem vida.
Melhor momento: o desfecho.
Recomendo? Sim.
Maridos e Esposas (Husbands and Wives, 1992)
Este é um filme que chama mais atenção por sua história: foi o último com Mia Farrow, rodado na época da polêmica envolvendo sua filha.
Acho sugestivo que a narrativa contenha a separação dos personagens de Mia e Woody, que ensaiou um envolvimento com uma jovem. Outro aborrecimento é que o sobrenome deles, escritores, é Roth.
Se for possível colocar estes elementos à parte, ainda digo que os dilemas conjugais abordados são enfadonhos. O que acho positivo no longa é apenas seu formato de documentário.
Melhor momento: a crítica da estudante ao romance de Woody.
Recomendo? Não.
Todos Dizem Eu Te Amo (Everyone Says I Love You, 1996)
Aqui temos uma novidade, um musical em lindas Nova York, Paris e Veneza. A beleza do filme está justamente no som, na coreografia e no cenário.
Enfim, ele fala sobre amores. Temos representações de afetos inocentes, volúveis, manipulados e resquiciosos. Apesar de nenhum deles ser especialmente marcante, são boas as tiradas sobre costumes e política.
Melhor momento: “Enjoy yourself, It’s later than you think.”
Recomendo? Sim.
Desconstruindo Harry (Deconstructing Harry, 1997)
Tenho um certo afeto pelo filme pois ele foi estreado no ano em que nasci. Parcialidade à parte, muitos consideram-no a mais recente obra-prima de Allen. Apesar de não concordar com a resistência às fases seguintes do diretor, reconheço que o longa é o último dos mais completos.
Com inspiração em Morangos Silvestres (Bergman), Woody constrói uma narrativa metalinguística. Nela há questões existenciais, divagações sobre morrer, criar e viver bem. Parafraseando o protagonista, querer ser feliz é pedir muito?
As digressões surreais também são excelentes. Temos uma cena com a morte e outra em que o protagonista, literalmente, desce ao Inferno.
Por fim, convém fazer um triste apontamento ao fato de que algumas colocações reproduzirem machismo e as duas prostitutas serem mulheres racializadas.
Melhor momento: Robin Williams desfocado.
Recomendo? Sim.
Celebridades (Celebrity, 1998)
O filme é engraçado, ácido e exagerado. O que me faz não gostar tanto dele é, além de considerá-lo caricato demais, não evitar compará-lo com La Dolce Vita (Federico Fellini), cujo enredo é… igual.
O neurótico da vez é o jornalista Lee (Kenneth Branagh), um desajeitado em meio ao mundo das celebridades. A exposição de suas escolhas erradas devido a deslumbres funciona como crítica a uma realidade que Woody desromantiza com maestria.
Um risco do filme são os surtos nervosos das mulheres, representações comumente machistas. O protagonista machuca as duas com quem se relacionou. Então, o contraste que confere sentido ao drama: uma torna-se alguém muito bem-sucedido e outra, em uma cena bela, vinga-se jogando o manuscrito do ex no mar.
Melhor momento: o flerte de Lee com Charlize Theron.
Pior momento: a aparição de Donald Trump.
Recomendo? Não.
Ponto Final — Match Point (Match Point, 2005)
O filme é um marco da fase mais nova de Woody. Muitos o adoram, e apesar de não compartilhar desta opinião, entendo seu porquê.
A fotografia de Londres é bonita, a analogia com tênis é diferente. O restante dos elementos são conhecidos: críticas a dinâmicas da alta sociedade, relacionamento extraconjugal, mulher em seu limite e inspiração em Crime e Castigo.
Enfim, admito que o que mais gosto do filme é a Scarlett Johansson, que está muito melhor do que no seguinte.
Melhor momento: A epifania do detetive.
Recomendo? Não.
Scoop — O Grande Furo (Scoop, 2006)
Há quem diga que o longa é uma homenagem a comédias dos anos 40. Espectadores que não entendem do gênero, como eu, facilmente não gostam dele.
O enredo é ruim e as piadas não são engraçadas. O que há de interessante são os componentes sobrenaturais: um fantasma visita os vivos e os mortos realizam suas travessias na Barca.
Foram transmitidas mensagens sobre a fugacidade da vida e a sua continuidade aos que ficam, sem passar pela temática do medo. Neste contexto, foi bem colocada a cena de Sid no Aqueronte e sua colocação de que a morte não é um demérito.
Melhor momento: Sid no mundo dos mortos.
Recomendo? Não.
O Sonho de Cassandra (Cassandra’s Dream, 2007)
O título, referente ao mito grego, faz expectativas serem criadas. Como ele sugere, o filme é trágico.
Mais uma vez influenciado por Dostoiévski, Woody aborda dilemas morais e éticos. O clímax da obra é um crime, mais motivado por problemas financeiros do que pela ideia de dívida com o mandante.
Não achei que o remorso de um dos personagens e o segundo plano assassino do outro, seu irmão, foram bem representados. Talvez eu só não tenha simpatizado com os protagonistas. Woody é melhor em dirigir atrizes ou a si. No mais, é unânime que a temática do longa foi melhor abordada em Crimes e Pecados e Match Point (tenho poucos pares ao dizer que também em Homem Irracional).
Melhor momento: o último passeio de barco dos irmãos.
Recomendo? Não.
Vicky Cristina Barcelona (Vicky Cristina Barcelona, 2008)
É um filme marcante na fase européia de Woody, que parece encantado com a Barcelona de Gaudí e Miró. Desde que a vi por suas lentes, associo-a com a música que repete-se na trilha sonora.
Entendo o longa como uma obra sobre desejo e insatisfação, esta talvez inerente ao ser, como um personagem sugere e outro confunde com infelicidade. Por considerar os protagonistas esféricos, discordo dos que dizem que são meros estereótipos. O “homem conquistador que fala espanhol” ocupa uma posição de conflito e a “mulher descompensada” mostra a dificuldade de manejar alguns sofrimentos psíquicos.
Acho as cenas sensuais muito bonitas e naturais. Confesso sentir um pesar por terem nascido da mente do homem que as dirige. Talvez a intensificação do desafio de separar a obra do autor seja um fator que me fez mais interessada por ela.
Melhor momento: o anúncio de Cristina sobre querer terminar a relação.
Recomendo? Sim.
Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works, 2009)
Sem dúvidas, este é meu filme favorito do Woody dos anos 2000. Gosto dele desde seu início, quando o protagonista, uma versão casmurra e niilista de Woody, se apresenta quebrando a quarta parede.
O título em português e a insinuação de um relacionamento entre um velho e uma jovem não são boas propagandas. O longa não é uma “comédia romântica” – detesto as associações a este rótulo. Penso nele como uma crítica a costumes e pedantismos, mas, principalmente, uma obra existencial.
Ele explora uma angústia universal, relativa à finitude da vida. Contempla o envelhecer, o medo de morrer e o esvaziamento de sentido do viver dada a sua transitoriedade. Resultante de diversas contingências inesperadas, o final é feliz. A mensagem de que há possibilidades mesmo na última etapa da vida é importante.
Melhor momento: o ataque de pânico de Larry devido ao seu estalo sobre morrer.
Recomendo? Sim.
Você Vai Encontrar o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, 2010)
O filme é composto por crônicas. Ele aborda temas caros a Woody: desencontro conjugal, traição, apaixonamento, bloqueio criativo, morte e mundo sobrenatural. Mas, apesar de reunir tantos elementos potencialmente interessantes que renderam cenas bem colocadas, achei o resultado pouco memorável.
As representações de neurose e insatisfação poderiam ser mais exploradas. A maior profundidade, ainda que não muito extensa, está no desejo e sofrimento amoroso na velhice. Seria pertinente explorar mais a percepção dos adultos quanto a estes.
Melhor momento: o olhar do personagem à sua ex esposa, pela janela.
Recomendo? Não.
Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011)
Considero as reações do público ao filme exageradas. Apesar da premissa da obra ser interessante, sua mensagem é mastigada demais.
A persona de Woody é vivida por Owen Wilson, cuja presença é engraçada em um sentido ruim. Sem reconhecer, o personagem é alguém insatisfeito em seu relacionamento e incomodado com futilidades e pedantismos daqueles com quem convive. A cura para sua falta de inspiração pessoal e artística advém de viagens no tempo à uma Paris onírica, onde encontrou figuras como Hemingway, Fitzgerald, Buñuel e Toulouse-Lautrec.
É bonito escapar ao fantástico e contemplar a capital francesa. A moral sobre romantizar o passado seria mais interessante se não fosse explicada nos diálogos. A boba cena final também empobrece a narrativa.
Melhor momento: o encontro com os surrealistas.
Recomendo? Não.
Para Roma, Com Amor (To Rome, With Love, 2012)
É um filme da fase “turística” mais despretensioso que os anteriores. Gosto dele pois, uma vez engraçado e bonito, é uma boa distração.
Ele é dividido em quatro causos com pitadas surreais. Eles ironizam a cultura da fama, dinâmica das celebridades, hipocrisia dos “ricos de família” e os dilemas conjugais.
Woody, que não se autodirigia desde 2006, retornou no papel de velho neurótico. Uma fantasia minha é que ele estava saudoso de ficar na frente das lentes.
Melhores momentos: as cenas de Jack com John.
Recomendo? Sim.
Blue Jasmine (Blue Jasmine, 2013)
É um dos filmes mais densos de Woody. Bebendo da peça Um Bonde Chamado Desejo, o diretor encara a crise econômica que assolou os EUA a partir de 2008.
Sua protagonista, perfeitamente vivida por Cate Blanchett, é a quebrada Jasmine. Após a prisão de seu rico, corrupto e infiel ex-marido, ela recorre à hospitalidade de sua irmã (Sally Hawkins), que vivia em uma realidade oposta àquela a qual estava acostumada.
Allen desenhou bem o “viver de aparências”: Jasmine viajou de primeira classe e manteve suas roupas de marca enquanto dependia de remédios para dormir, era assediada no novo trabalho e penava para fazer planos para o futuro.
O longa não se resume a criticar costumes. Gosto dele devido à condução a um final triste, focado na devastação pessoal e não na moralização de escolhas.
Melhor momento: o colapso de Jasmine.
Recomendo? Sim.
Magia ao Luar (Magic in the Moonlight, 2014)
Trata-se de um filme de época. Diferente do longa anterior, é muito leve.
O conflito da narrativa consiste na pretensão de um cético ilusionista (Colin Firth) de desmascarar a jovem médium Sophie (Emma Stone). Conforme a convivência, o protagonista questiona suas certezas e ensaia um apaixonamento.
Apesar dos componentes sobrenaturais da obra serem representados com ambiguidade, acho o desfecho previsível e carente de significado.
Melhor momento: o planetário.
Recomendo? Não.
Homem Irracional (Irrational Man, 2015)
É uma das menores e pior avaliadas obras de Allen, o que acho injusto.
O universo ao qual está ambientada é o universitário, enfeitado com citações de Kant e Heidegger. São ingentis as críticas ao pedantismo e à masturbação intelectual que o permeia. O protagonista, Abe (Joaquin Phoenix), professor de filosofia, externa questões que acometem acadêmicos, como a dificuldade de criar e a contradição entre a teoria e a vida real.
Ele é um personagem convincente. Solitário, decadente e em nítido sofrimento psíquico, encontra sentido em uma relação com Jill (Emma Stone), uma jovem aluna que não hesita em descartar quando torna-se inconveniente.
O cerne da narrativa é, mais uma vez, inspirado em Crime e Castigo. Tal como o romance, há a voz dos dois envolvidos. Abe é um Raskólnikov sem remorso, Jill é Sonia e, simultaneamente, um outro Raskólnikov angustiado.
Melhor momento: a primeira aula que Abe leciona.
Recomendo? Sim.
Café Society (Café Society, 2016)
Como sugeri, Woody é bom em retratar realidades que ele conhece. Este filme é uma boa ilustração: o diretor descreveu a Hollywood dos anos 30-40, ambiente de celebridades, dinheiro e dinâmicas de poder.
Os elementos da narrativa são encontrados em outras de suas obras: os gângsters, a família judia, o intelectual e o triângulo amoroso. Este último é o mais interessante, dado que sua abordagem explora a dor do preterido, o protagonismo da mulher na escolha e a não-resolução dos sentimentos.
Apesar das temáticas repetidas, o filme pode ser lembrado por sua belíssima fotografia e seu bom elenco. Kristen Stewart e Steve Carell estão muito bem.
Melhor momento: o reencontro de Bobby e Vonnie.
Recomendo? Não.
Roda-Gigante (Wonder Wheel, 2017)
O cenário do filme, que se passa nos anos 50, é um tanto teatral e bonito. Por ser um parque de diversões, me remeteu ao excelente início de Annie Hall. No mais, suas cores, junto a dos figurinos, são marcantes.
O cerne da obra é o sofrimento de Ginny (Kate Winslet), que não é apenas sobre o tema universal do amor não correspondido. Ele diz respeito à clausura e ao desamparo: enquanto sentia o peso dos anos, assistia à rarefação de oportunidades em sua vida. Ela perdeu o amante a jovem filha de seu marido, um golpe narcísico que aniquilou as perspectivas de um futuro melhor e estreitou à prisão em uma vida infeliz, de abusos do parceiro e preocupações com o filho, que também não tinha recursos para sublimar suas angústias.
Demorei um tempo para apreender o sentido do longa. Gostei dele depois de elaborar o que foi transmitido.
Melhor momento: a apresentação dos personagens
Recomendo? Sim.
Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day in New York, 2019)
Ao assistir ao filme, pensei que Woody apenas não quis deixar de gravar naquele ano. Depois, imaginei que para ele fosse importante mostrar que pode recrutar os “ídolos” dos jovens.
Homenageando Nova York, ele traz suas críticas a Hollywood e retrata um sofrimento imaturo. Na minha opinião, o resultado foi ruim. Achei os personagens irritantes. Ashleigh (Elle Fanning) é boba, Shannon (Selena Gomez) pouco sedutora. Já Gatsby (Timothée Chalamet), cujo nome é um elemento irônico, protagoniza cenas mais interessantes, como a da visita ao Museu, que me causou saudades do humor de Sonhos de um Sedutor. Se forçarmos, podemos vê-lo como uma persona de Allen com mais anedonia e menos neuroses.
Enfim, assim como Meia-Noite em Paris, o longa termina com um beijo entre aquele que vivia um relacionamento ruim e uma mulher que o encanta. Mais um elemento ruim…
Melhor momento: Ashleigh na casa do artista.
Recomendo? Não.
** É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O Jornal 140 não se responsabiliza pela opinião dos autores deste coletivo.