No dia 16 de fevereiro, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que divulgou em suas redes sociais um vídeo com ofensas aos magistrados da Corte; incitação à violência; e exaltação da Ditadura Militar. No dia 19 do mesmo mês, a Câmara dos Deputados aprovou, por ampla maioria, a manutenção da prisão do deputado Silveira. Agora, a decisão sobre a manutenção da prisão ou o cumprimento de outro tipo de penalidade, retorna para julgamento do STF. Silveira ainda enfrentará uma denúncia criminal no STF e corre o risco de perder seu mandato, caso ele seja cassado por decisão do Conselho de Ética da Câmara, que, em 23 de fevereiro, abriu processo contra ele.
Em resposta, Silveira disse que a prisão é inconstitucional e fere a “imunidade material”, em referência à imunidade parlamentar expressa no artigo 53 da Constituição Federal de 1988: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. O texto constitucional é claro: deputados e senadores estão protegidos por opiniões, palavras e votos proferidos no exercício da função. Mas, a imunidade parlamentar deveria significar impunidade? Qual o limite da liberdade de expressão? Poderia ela proteger os discursos e as campanhas contra a democracia, a harmonia dos Poderes e a segurança nacional?
O deputado Daniel Silveira é alvo de duas investigações no STF: uma que apura a incitação e convocação de atos autoritários em defesa do fechamento do Congresso e da Corte e outra que trata da divulgação e disseminação de notícias falsas e ataques contra os ministros da Corte nas redes sociais, no chamado inquérito das Fake News. Segundo o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, os ataques de Silveira contra os ministros se iniciaram por ele ser alvo do inquérito que apura o seu envolvimento em organização de atos antidemocráticos.
Outra notícia que chamou a atenção foi a declaração concedida em entrevista no dia 22 de fevereiro pelo ministro do STF Dias Toffoli ao Canal Livre, programa da Band. Segundo ele, o inquérito que investiga as fake news, “já identificou financiamento estrangeiro internacional a atores que usam as redes sociais para fazer campanhas contra as instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional”.
Em ambas as notícias o que fica claro é a construção e a propagação de discursos que disputam o imaginário social sobre valores sociais democráticos, utilizando-se da “liberdade de expressão” para criar cisões sociais, conflitos, ofender, oprimir e acuar àqueles que defendem a democracia, a Constituição e o pacto social.
O que se passou nessas semanas no Brasil evoca uma antiga discussão que o filósofo Karl Popper apresentou em uma nota de rodapé do capítulo 7 de sua obra A sociedade aberta e seus inimigos, de 1945. Nela, o autor apresenta o paradoxo da tolerância, afirmando que “a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”.
Daniel Silveira não apresenta apenas um discurso inflamado, proferido no ato de seu posicionamento parlamentar. Silveira, utilizou-se de sua “imunidade material” para proferir ataques ao equilíbrio entre os três Poderes, xingamentos, insultos, acusações sem fundamento, incitação à violência e exaltação à Ditadura Militar.
Onde deveríamos encontrar um discurso dialogado e com argumentos sérios, assistimos um representante, em nome de seu cargo, incitar a violência e o conflito não construtivo, num exercício de manipulação, onde a massa é disputada como marionete para alcançar interesses escusos. Nesses casos, a sociedade tem de reagir contra a liberdade de expressão a fim de preservar a própria liberdade de expressão.