Quando vi Guava Island, refleti sobre a carreira meteórica de Donald Glover. Ou melhor, Childish Gambino, visto que a sua persona musical é quem protagoniza a obra tropical. É muito oportuno levar em consideração a evolução técnica versátil do artista.
O ator Donald Glover
Em Community, ainda dando os primeiros passos na carreira, Glover era a peça central de cenas essenciais da trama cômica. Quando optou por sair, a série desmoronou e rastejou até seu desfecho.
Já em Atlanta, vimos o auge da sua criatividade, com um sentimento de maturidade notório e que continua em crescente erupção. Glover é sagaz, crítico e cativante.
Mas esses são apenas alguns exemplos da curta e fascinante trajetória do ator.
O rapper Childish Gambino
Os recursos de sua persona musical são vastos e parecem inesgotáveis. Isso porque Gambino transita por referências de estilos muito variados. Mesmo assim, originalmente, consegue misturar todos esses elementos em suas obras trazendo a sua própria leitura e identidade.
Os agudos sussurrados de Redbone, por exemplo, relembram o tom visceral de Prince. Canções mais antigas facilmente remetem a Kanye West. E há ainda a incidência notória da música latina em muitas composições.
É juntando toda essa miscelânia artística que chegamos à… Guava Island!
A criação vibrante de Gambino em Cuba
Lançado no Amazon Prime em 2019, Guava Island é uma trama simples que escancara a motivação de seu carismático personagem central. Deni Maroon (Childish Gambino) é um músico que vive na ilha de Guava com sua namorada Kovi (Rihanna). O mote da história está atrelado ao carinho da população local pelo rapaz, que quer realizar um grande festival para todos celebrarem à vida. Para isso, ele precisa enfrentar a tirania de seu chefe, o magnata Red Cargo, que detém todo o poder da ilha. O vilão da história faz com que as pessoas trabalhem de domingo a domingo e é na figura de Maroon que encontramos o contraponto que busca trazer felicidade à população com a música e a resistência à ditadura.
Hiro Murai, colaborador de longa data de Donald Glover, é o diretor do longa, enquanto o irmão mais novo do ator Stephen Glover foi responsável por roteirizar a ideia criada pelo astro (o que também ocorre em Atlanta). Como noticiado à época, vale mencionar que as filmagens aconteceram em segredo em Cuba e que Donald Glover buscou como principais referências Purple Rain (Prince novamente influenciando!) e o clássico brasileiro Cidade de Deus.
A curta duração do longa impacta e ajuda a deixar o roteiro mais atraente. A trama não apresenta as chamadas “barrigas” – há uma objetividade evidente que não incomoda. O fato de a história ser contada rapidamente ajuda o espectador a mergulhar no contexto de Deni e, com isso, não dispersar a sua atenção. O pouco de profundidade necessária se faz presente na sequência inicial animada, onde Kovi explica todo o contexto histórico intrínseco às situações que seriam vistas.
O curioso é reparar na condução da trama: enquanto compramos a ideia e abraçamos a Jornada do Herói de Deni, a identificação é tamanha que não é possível perceber totalmente para onde a história está nos levando. As escolhas criativas impactam por seguirem um caminho um tanto quanto diferente ao que vinha se apresentando, culminando num desfecho crítico e comovente.
As cenas musicais seguem a mesma linha objetiva e eficaz, inclusive para transmitir as mensagens das composições de Gambino. Isso se faz valer, por exemplo, com o grande sucesso This Is America, que no longa dá continuidade ao seu agressivo lançamento. Childish Gambino brilha e provoca com sua crítica mordaz e sufocante (para o personagem e para o espectador). Vale à menção ainda à linda Summertime Magic, onde Gambino novamente evidencia todo o seu carisma.
Ao mesmo tempo, não seria nada mal a melodia de Rihanna ter aparecido em um ou outro momento! Essa é a deixa para falar sobre a relevância que a cantora traz para as cenas em que aparece. Apesar da atuação regular, fica a sensação de que essa presença poderosa poderia ser ainda melhor aproveitada, inclusive na química com o protagonista.
Mesmo com a mente criativa de Glover/Gambino sendo a força motriz do longa, a direção de Hiro Murai tem suas virtudes. A fotografia e a escolha da montagem são tecnicamente relevantes e potencializam o belíssimo cenário tropical da locação. O espectador de fato mergulha na cultura apresentada em Guava Island, e muito disso é de responsabilidade da eficiente direção. As escolhas de Murai funcionam para transmitir o sentimento de cena, como na sequência da perseguição à Deni com a câmera na mão (os takes de Cidade de Deus influenciaram muito, com certeza!) ou as belas tomadas que ilustram a população local ou o cenário paradisíaco.
Atrelado à questão do cenário está o delicado foco nas cores, figurinos e adereços. O trabalho de produção para ressaltar a cultura latina com ares mitológicos se faz muito presente, o que só contribui para a ambientação certeira da história.
Guava Island é uma fábula de amor que encanta pela objetividade e conexão. Afinal, são 56 minutos de entretenimento sincero e que prende o espectador. E, assim como iniciei essa minha visão, trago novamente à reflexão: seja como Childish Gambino ou Donald Glover, que artista completo temos o prazer de poder prestigiar em ascensão.
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Guava Island
Deni Maroon vive com a sua namorada na inebriante Guava Island. Famoso músico adorado pela população local, ele quer proporcionar um festival de música para todos. Childish Gambino brilha nessa intensa história de cultura rica, repleta de elementos históricos. e que homenageia à música.
PROS
- O talento indiscutível de Childish Gambino / Donald Glover
- Clima tropical que contextualiza a história
- Direção cuidadosa que valoriza o cenário paradisíaco
- Condução da trama com desfecho surpreendente
CONS
- Poucos números musicais
- Ausência de Rihanna cantando
- Interações entre Gambino e Rihanna poderiam ser maiores
Análise da Avaliação
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Roteiro
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Atuação
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Elenco
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Direção e Equipe
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Som e Trilha Sonora
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Figurino
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Cenários