No final de 2020, ao participar de um grupo de estudos políticos, tive a oportunidade de entrar em contato com algumas obras de Ailton Krenak – líder indígena, ambientalista e filósofo brasileiro. Seus escritos são instigantes e suas reflexões nos levam a reexaminar o lugar que ocupamos no mundo. Ou melhor: Ideias para adiar o fim do mundo.
Krenak se coloca a pensar acerca do “mito da sustentabilidade”, inventado por corporações para justificar o assalto que é feito à ideia de “natureza”.
Conforme sua análise fomos por muito tempo instigados a pensar que somos a “humanidade”, nos alienando do organismo que somos parte: a Terra.
Krenak então cita a história de um pesquisador europeu que visitou um território indígena no começo do século XX, para nos ajudar a repensar a unidade entre humanidade e terra:
Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.Li uma história de um pesquisador europeu do começo do século XX que estava nos Estados Unidos e chegou a um território dos Hopi. Ele tinha pedido que alguém daquela aldeia facilitasse o encontro dele com uma anciã que ele queria entrevistar. Quando foi encontrá-la, ela estava parada perto de uma rocha. O pesquisador ficou esperando, até que falou: “Ela não vai conversar comigo, não?”. Ao que seu facilitador respondeu: “Ela está conversando com a irmã dela”. “Mas é uma pedra.” E o camarada disse: “Qual é o problema?”.
O entendimento das montanhas, rios e florestas como entes familiares nos permite desconstruir uma visão “antropocentrista” que coloca o humano no centro do mundo, enxergando a tudo e a todos como elementos subservientes.
A aldeia Krenak, onde Ailton convive com seus parentes, fica localizada à margem esquerda do Rio Doce, do lado direito fica uma serra. Conforme seu relato, desde cedo lhe foi ensinado que aquela serra tem sentimentos. Quando ela amanhece bonita, esplêndida e com nuvens claras sobrevoando sua cabeça, significa que é dia para festejar; todos podem dançar e comemorar.
Nesse sentido, as “ideias para adiar o fim do mundo” residem justamente no reencontro da humanidade com a Terra, a compreensão do pertencimento a uma unidade que representa a natureza. Coabitando de forma respeitosa com o espaço.
Enquanto a humanidade está se distanciando do seu lugar, um monte de corporações espertalhonas vai tomando conta da Terra. Nós, a humanidade, vamos viver em ambientes artificiais produzidos pelas mesmas corporações que devoram florestas, montanhas e rios. Eles inventam kits superinteressantes para nos manter nesse local, alienados de tudo, e se possível tomando muito remédio. Porque, afinal, é preciso fazer alguma coisa com o que sobra do lixo que produzem, e eles vão fazer remédio e um monte de parafernálias para nos entreter.
Para Ailton, o fato de compartilharmos o espaço e vivermos juntos não significa que somos iguais, sua problematização incide justamente na necessidade de compreendermos as nossas diferenças. Krenak manifesta-se em favor da diversidade, contrário a uma sociedade que segue o mesmo protocolo homogêneo e artificial.
Referência: KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
** É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O Jornal 140 não se responsabiliza pela opinião dos autores deste coletivo.