Entre acertos e erros estamos todos nos acostumando com o trabalho remoto (igual a “em casa” para a maioria das pessoas). No artigo Home Office: para que tanta reunião? abordamos apenas um dos aspectos que tem incomodado muito os colaboradores que trabalham online – a necessidade (ou não?) de exaustivas reuniões todos os dias.
Algumas pessoas dizem que encher o dia com encontros virtuais é uma das maneiras que muitos líderes encontraram de controlar o chamado “expediente”. Outros dizem que não passa de carência e/ou insegurança. Mas há também quem afirme que é a mais pura ignorância sobre como liderar à distância.
A perspectiva é que continuemos a trabalhar remotamente por um bom tempo ainda passando, no máximo, para modelos híbridos.
E como a euforia de ficar em casa passou, bom mesmo é aprender a lidar com a realidade da melhor maneira, com foco na saúde física e mental, seja você líder ou liderado.
O que está “pegando”
Depois de um ano já dá para saber o que funciona e o que não funciona, o que é bom e o que incomoda, ainda que os colaboradores não reclamem abertamente, quase sempre por temor de represálias. Um bom líder está sempre atento ao que acontece com sua equipe.
Veja abaixo quais são os principais problemas reportados pelos trabalhadores em um apanhado de diversas pesquisas feitas no Brasil e no mundo:
- excesso de horas trabalhadas: embora as empresas afirmem que seus colaboradores estão cumprindo o expediente de trabalho, a verdade é que a maioria segue com suas tarefas bem além do horário, já que o volume de afazeres parece ter aumentado e muitas horas do dia são dedicadas a reuniões online
- pressão demasiada: muitos líderes inseguros com o distanciamento físico de suas equipes pressionam o tempo todo com cobranças intermináveis sobre as mesmas coisas, atrapalhando a rotina e a performance dos colaboradores
- dificuldades com a comunicação: quando não há o excesso de mensagens ou e-mails intermináveis que circulam o tempo todo, há a falta de informações importantes, relevantes para que o trabalho seja executado
- feedbacks inapropriados: a instantaneidade da comunicação diminuiu os filtros usados e tornou as devolutivas imediatas, o que acaba gerando conflitos e senso de inadequação
- sentimento de culpa: não atender à expectativa imediata dos líderes/empresa e ser obrigado a fazer às vezes alguma tarefa de casa durante o expediente (mesmo que seja o próprio almoço) são os dois principais motivos da culpa sentida pelos colaboradores
- disponibilidade: muitas empresas e/ou líderes agem como se o funcionário fosse obrigado a estar disponível o tempo todo, já que está trabalhando em casa, o que faz com que muitos “não desliguem” para descansar.
Saúde física e as doenças do trabalho
No começo do Home Office as preocupações máximas eram com o equipamento, conexão com a internet, o ambiente e as interferências da família, a rotina e disciplina, e até a roupa usada para trabalhar – nunca de pijama e pantufas no sofá da sala!
Pois bem, isso tudo foi aparentemente incorporado e resolvido por todos. Os problemas agora são de outro nível – o físico, de saúde, é apenas o primeiro.
Ninguém fica impunemente sentado diante de um computador o dia inteiro sem pagar um preço alto. A causa número um de afastamento do trabalho é a dor lombar. Segundo o Dr. Iuri Neville, Neurocirurgião e Doutor em Ciências pela USP, o número de pacientes atendidos com dores nas costas aumentou de maneira absurda desde o começo da pandemia de Covid19.
“A combinação de longas horas de trabalho diante do computador, sem boas condições de ergonomia, com ansiedade, medo e estresse, gerou uma epidemia de dor, principalmente das colunas lombar e cervical”. Para o Dr. Iuri essa é uma combinação de ingredientes terríveis para a saúde, que diminui muito a qualidade de vida.
Mas não é só! Ficar olhando para a tela do computador por horas seguidas causa a SVC (Síndrome Visual do Computador), caracterizada por vários sintomas: ressecamento dos olhos, vermelhidão, vista embaçada, fadiga ocular. Não é à toa que hoje é um dos problemas mais comuns em consultórios de oftalmologistas.
Ainda tem mais: o uso contínuo das mãos – e mouses – pode provocar dores conhecidas como LER (Lesão por esforço repetitivo) e DORT (Disturbios Osteomoleculares relacionados ao trabalho). Síndromes que, se não forem tratadas, se agravam e se transformam em patologias mais sérias como a Tendinite, Tenossinovite, Sindrome DeQuervain e Síndrome do Túnel do Carpo, além de outras menos comuns.
Saúde Mental e Emocional
No último ano os problemas emocionais e mentais de quem está trabalhando em Home Office ficaram ainda maiores e se agravaram. Causas não faltam, e vão do temor da doença e o medo de ficar desempregado, até o assédio moral praticado por muito líderes.
Desde o começo da pandemia – e do home office – ocorrências de ansiedade e estresse entre os trabalhadores cresceram 80% enquanto a incidência de depressão dobrou. Os dados são do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Tratamento inadequado, condutas abusivas, feedbacks descontrolados, excesso de trabalho e muita pressão: some-se tudo isso ao isolamento social e ao medo, e o cenário ideal para o surgimento de transtornos mentais e emocionais está formado.
As manifestações mais comuns começam com a exaustão mental (um esgotamento extremo) e se desdobram em depressão (tristeza patológica, baixa autoestima), ansiedade (aperto no peito, falta de ar, medo extremo), TOC (obsessões e compulsões) e Burnout (esgotamento físico e mental). São doenças complexas que merecem um tratamento profissional adequado.
Como melhorar sua vida em Home Office
Problemas a gente tinha em trabalho presencial e mudar para Home Office apenas mudou a classificação. Identificar cada um deles e agir para superá-los é o que realmente importa. Portanto, ação!
É essencial começar pelo conforto físico:
- investir na ergonomia é o primeiro passo – cadeira própria, altura do monitor, mouse e mouse pad ergonômicos. Tudo isso protege suas mãos, coluna e olhos
- apoio para os pés diminuem ou evitam o inchaço das pernas
- intervalos a cada 90 minutos para descansar os olhos, ir ao banheiro, fazer alongamentos e caminhar um pouco, por 15 minutos. Não vale sair do computador e ir para o celular
- alimentação regrada e leve + muita água – essencial para uma boa digestão, evitando o desconforto. Evite comer “bobagens” o tempo todo
- reservar pelo menos meia hora por dia exclusivamente para atividade física contínua como caminhada, alongamento, ginástica ou até dança. Uma boa ideia é o cicloergômetro (pequeno, barato e fácil de usar) que permite trabalhar pernas e braços
Pensando no seu conforto mental e emocional:
- crie hábitos que tragam bem-estar como incluir na rotina um tempo para ouvir musica, fazer trabalhos manuais, cuidar de plantas ou qualquer outro hobby, e conversar com amigos apenas por telefone
- inclua em seu ambiente de trabalho objetos que goste, tipo plantas, fotos ou quadros que lhe tragam boas sensações e lembranças
- mantenha ordem e foco criando listas e agendas de seus afazeres diários para não ser pego de surpresa ao final do dia
- tenha um horário para começar e para finalizar o trabalho, desligando o computador sempre no mesmo horário. Converse com seu gestor sobre isso
- termine o dia com um alongamento mais completo e demorado e encerre com uma meditação ou relaxamento guiado
- mantenha-se consciente de seus estados emocionais procurando identificar os gatilhos que tiram sua paz e equilíbrio
- aprenda a ouvir. Trocar ideias e percepções com seus colegas e amigos do trabalho pode levar à solução de problemas e conflitos
- peça ajuda. Todos nós temos dificuldades que nem sempre podem ser resolvidas sem ajuda, portanto, não se sinta culpado
- comunique-se. Qualquer assunto, mesmo o mais complicado, pode ser conversado, desde que sem ruídos, sentimentos ou emoções exacerbadas. Inclusive com os líderes.
Tecnológico e saudável
O fato de estarmos conectados o tempo todo nem sempre é saudável. Como todos os excessos! E, de fato, estamos conectados integralmente há mais de um ano. Quais as consequências?
No artigo Como ser tecnológico sem ser dependente abordamos justamente os transtornos causados pelo uso excessivo da tecnologia e pela necessidade de estarmos conectados o tempo todo, com base nos livros IDisorder e The Distract Mind, de Larry Rosen, especialista em psicologia da tecnologia e Adam Gazzaley, neurocientista.
Talvez alguns distúrbios discutidos pelos autores possam estar na raiz de muitos problemas enfrentados nos últimos meses: narcisismo, dependência de tecnologia, ansiedade por desconectividade, distúrbios de humor, TDAH (déficit de atenção), fobias sociais, estresse, insônia, hipocondria, distúrbios dismórficos do corpo, alimentação, voyeurismo eletrônico, entre outros.
Os autores afirmam ainda que temos a percepção ilusória de que somos multitarefas e podemos fazer tudo 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano – o resultado é que essa conexão constante leva a química de nosso cérebro a um estado de alerta constante, interrompendo nosso trabalho, nossas interações e interferindo no sono.
Segundo eles, nossos cérebros não são feitos para multitarefas, e, sim, limitados em sua capacidade de prestar atenção. O que fazemos é alternar as tarefas rapidamente. Nesse contexto, as interrupções e distrações tecnológicas, que chamam de ‘interferência’ acabam colidindo com a habilidade de definir objetivos. Nossas mentes são facilmente sequestradas pela tecnologia.
Finalizando, vale refletir, seja você o gestor ou um colaborador. A responsabilidade de criar um ambiente – ainda que virtual – é de cada um que dele participa. E prevenir os problemas nos cuidados com cada um, sem dúvida, é melhor para todos.
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