Falamos aqui sobre os problemas que estão sendo enfrentados no Trabalho em Home Office o impacto na vida dos trabalhadores e nas doenças que tem causado. Além do discurso da humanização que está na pauta atual, é preciso enxergar um pouco além para efetivamente criar novas experiências.
Em constante evolução, o ser humano é sensível à educação do corpo, das emoções, da mente e do espírito – este é o sentido efetivo de desenvolvimento humano – a necessidade, inerente ao indivíduo de viver e agir por um propósito de vida. E viver por um propósito significa viver por valores. Cedo ou tarde todos nós acordamos para isso.
Sem consciência do propósito vivemos em desequilíbrio
Com a pandemia começamos a ver os dois lados. De um, as ligações afetivas reforçadas, a ajuda dispensada a quem tem menos, a troca do consumo para as relações. De outro, a realidade nua e crua de quem fura fila de vacinas, rouba doses de idosos, incentiva o desrespeito à saúde da sociedade – resultados desse desequilíbrio nas famílias, nas comunidades, na sociedade e no planeta. Ele se traduz pela violência, pela falta de ética, de respeito, de justiça; pelo egoísmo e indiferença para com os outros, competitividade em excesso…. A pergunta é: até onde vamos? Quais ações podemos empreender para provocar uma mudança?
As mudanças efetivas, no entanto, só ocorrem a partir dos indivíduos. Se queremos um mundo melhor, temos que lutar para construí-lo a partir do ser humano.
E é nesse ponto que colocamos nossa pergunta: que papel a empresa pode desempenhar nesse processo?
Se considerarmos que é na empresa que o homem passa a maior parte de seu tempo, de sua vida – ainda que hoje, virtualmente – o papel que ela pode desempenhar em seu desenvolvimento é grande. É no contexto da empresa que ele exercita o seu modo de ser de uma maneira efetiva, tanto nos relacionamentos que desenvolve, quanto nas ações que empreende e que se refletem não apenas no ambiente, mas na sociedade. Todos sabemos que a mudança social efetiva só acontece quando as pessoas mudam não só o modo como exercem suas atividades, mas também a maneira como se relacionam.
O espaço educativo-transformador está vago
Não existem mais as Ágoras da Grécia, as praças onde os rumos da sociedade eram discutidos. As reflexões que provocam mudanças foram relegadas pela sociedade de consumo. As empresas são hoje a mais forte instituição de nossa sociedade e o principal fator que afeta as condições do mundo; as outras instituições (políticas, educacionais, religiosas) se tornam gradativamente cada vez menos capazes não só de gerir, mas de gerar cultura e educação. Os governos mal dão conta do básico e sua legitimidade é cada vez mais questionada em virtude dos caminhos que escolhem trilhar.
As empresas podem – e devem – assumir este papel pela sua própria capacidade. Se os negócios se tornaram a instituição dominante na cultura mundial, nada mais lógico que assumam uma maior parcela de responsabilidade no desenvolvimento humano.
Desde o final da década de 60, começo da década de 70, especialistas têm refletido e desenvolvido teorias sobre o papel das empresas a partir deste início de século: se hoje os negócios são vistos como uma maneira de gerar lucros apenas, a pressão para que se tornem uma instituição mais responsável, voltada para propósitos mais elevados vai se tornando cada vez mais efetiva.
O objetivo original de gerar lucros continua, mas as empresas passam a ser vistas também como agentes capazes de criar valores, de servir à evolução das pessoas – na verdade, de todos os seus “stakeholders ” (acionistas, empregados, clientes, famílias de seus empregados, comunidades). Afinal, a organização é formada não só pelas pessoas que dela fazem parte, mas por todas que, de um modo ou outro, estão vinculadas à sua estrutura.
Hoje isso já acontece quando falamos de meio ambiente, ecologia, sustentabilidade. Não é necessário nem darmos exemplos de empresas que já assumiram o seu papel de vanguarda – algumas, é fato, objetivando apenas agregar valor à sua imagem. Mas dezenas de outras já assumiram este papel como missão, como propósito.
A proposta de desenvolvimento humano em empresas vai muito além. Estamos falando de criar um ambiente para que o indivíduo tenha a oportunidade de desenvolver em si valores que o levem a contribuir para o bem comum. Esse é o objetivo de empresas que vêem além do lucro e geram um Capital Espiritual
Vivemos falando num novo mundo, numa nova era, num novo modo de fazer as coisas. Um novo mundo pode ser criado…
mas o que será dele se não houver um novo homem capaz de sustentá-lo? Isso é a real sustentabilidade!
Não é difícil dar exemplos que mostram o conflito entre teoria e prática, das ações que destroem a natureza às transgressões das regras sociais: todos os dias vemos dezenas de pessoas agindo de maneira absurda, simplesmente porque não são capazes de pensar a partir de uma visão mais ampla, baseada em valores construtivos.
É nesse sentido que o trabalho pode ser desenvolvido dentro das empresas – despertar sentimentos e valores adormecidos que levem o individuo a agir com compaixão e preocupação globais, baseado em convicções profundas.
Os colaboradores não podem mais ser tratados apenas como um recurso material com capacidade de produção, mas sim como seres com sentimentos, crenças, emoções e valores, em busca de um propósito de vida, abertos a uma educação transformadora que amplie sua consciência e sua participação nos rumos da humanidade.
E o que a empresa ganha com isso? Muitas empresas já descobriram, ainda no final do século passado, que desenvolver o capital humano, além do capital intelectual, levava a um maior comprometimento, confiança e orgulho por parte de seus funcionários, além de melhorar o ambiente, diminuir o stress e as doenças e aumentar a produtividade.
Mas o ganho, para além disso, está diretamente ligado à sociedade como um todo. Basta refletir para concluir que se o indivíduo melhora, a sociedade melhora junto. Estamos falando de valores como paz, verdade, respeito, compaixão, solidariedade, transparência, dignidade, amizade…
Submetido a condições estressantes e muitas vezes desrespeitosas no trabalho, o indivíduo repete em casa comportamentos que não criam valores na família: a educação é relegada a segundo plano, ou delegada a terceiros. Além de não se envolver, não se dedicar, não produzir como poderia, ele sequer sonha….
No entanto, se a empresa oferecer a ele condições para que se sinta parte não só dela, mas do todo; se lhe oferece espaço de reflexão, de melhoria, de envolvimento e aprimoramento – se reconhece nele um ser humano que abriga sentimentos, que sonha, que é movido por um propósito de vida, partícipe na construção de um novo mundo, toda a sua percepção muda – e suas atitudes também mudam, não só no trabalho, mas com a família, na comunidade em que vive, na sociedade como um todo.
Isso é trabalhar espiritualidade na empresa?
A resposta é sim se considerarmos que espiritualidade é reconhecer em si a capacidade inerente ao ser humano de identificar o certo e o errado; de desenvolver qualidades baseadas em valores como o amor, a compaixão, a capacidade de perdoar, a tolerância, a paciência, a harmonia, a responsabilidade perante o mundo – que trazem felicidade não apenas a si mesmo, mas também aos outros. Não estamos falando de religião nem da aceitação de uma realidade metafísica, apenas de Inteligência Espiritual
Torna-se necessário que as empresas desenvolvam uma estratégia consciente para uma cultura organizacional holística, que contemple todos os aspectos do ser humano e da sociedade. Ao lado de seu crescimento vertical, que contempla os lucros e a geração de bens, ela deve contemplar também o crescimento horizontal voltado para o desenvolvimento humano.
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