No meu segundo artigo escrito para o Jornal140 trouxe o protagonismo do agronegócio brasileiro para a segurança alimentar, mas estranho seria se agora o discurso seguisse o tom otimista de sempre. A ideia não é também ser pessimista, até porque não vivemos em uma constante dicotomia, mas é trazer a realidade e mostrar as difíceis consequências das ações dos nossos governantes para com as pessoas que precisam estar nas ruas para garantir o sustento das suas famílias, para com o tema da segurança alimentar.
Quando disse que não vivemos em uma dicotomia, que não vivemos pelo “sim” ou pelo “não”, pelo “bem” ou pelo “mal”, me questiono, e acredito que você, meu caro leitor, também. Porque em muitas discussões podemos ser mais maleáveis, desenhar cenários possíveis, mais brandos, que até mesmo possam trazer situações de ganho para todos os envolvidos. Mas agora estamos vivendo na disparidade das consequências do “fique em casa”. Estamos vivenciando uma situação extremamente delicada.
No início da pandemia o Brasil foi visto como um país de grande potencial no que diz respeito ao abastecimento interno e externo de alimentos. O tema segurança alimentar, inclusive, foi tratado com muito cuidado, coesão e firmeza pela Ministra do MAPA, Teresa Cristina, que sempre esteve muito ciente de todos os riscos que poderiam impactar cada elo da cadeia produtiva do agro. Entretanto, em meio a brigas políticas, este protagonismo se perdeu. Abrandamentos foram colocados em momentos em que a população precisava de um arrocho. A pandemia cresceu e hoje tira o trânsito e as oportunidades daqueles que não tem escolha. E em não tendo escolha, passam fome.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a segurança alimentar se baseia em três pilares: disponibilidade dos alimentos, acesso e consumo adequado do ponto de vista nutricional para manter uma vida ativa e saudável. Evidentemente que mudanças no clima, escassez hídrica, dentre outras questões de ordem natural, são pontos que ameaçam a segurança alimentar. Agora para além, grande parte da população brasileira também enfrenta as consequências da pandemia da Covid-19. Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mais de 116 milhões de brasileiros enfrentam algum grau de insegurança alimentar. A pesquisa foi feita em juntamente com apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria de ActionAid Brasil, FES Brasil e Oxfam Brasil.
Para agravar a situação o governo cortou em mais de 75% o orçamento para programas de segurança alimentar na pandemia. E, sabemos, que tudo que não é assistido pelo governo acaba, de duas, uma: ou caindo na marginalidade (e neste sentido, leia-se esquecido, levado de forma escusa), ou abraçado por organizações sociais sem fins lucrativos, ainda com bastante batalha considerando a generalizada escassez de recursos. O que estamos presenciando agora é felizmente um grande movimento de ONGs batalhando para levar segurança alimentar às pessoas que foram colocadas em situação de fome por conta de tanta manobra política. Ainda que um excelente e grande passo que nos traz esperança, não desconsideremos que a politicagem ainda anda à espreita.
Quero trazer aqui o Movimento Panela Cheia (#panelacheiasalva), um programa de inciativa da CUFA, Gerando Falcões, Frente Nacional Antirracista, com apoio da União SP e cooperação da Unesco Brasil para arrecadar recursos para a compra de cestas básicas para pessoas em situação de vulnerabilidade. Este é um programa que começou há pouco tempo, mas já arrecadou um montante expressivo para levar alimentos aos vulneráveis.

Post de Eduardo Lyra em sua rede social a respeito do Movimento Panela Cheia
Quando digo que a politicagem ainda anda à espreita, é porque estes movimentos causam reações nos governantes e é vendo movimentos como estes que eles também começam a se mexer. No dia 07/04, em sua página do Instagram, em coletiva de imprensa, o Governador de São Paulo, João Dória anunciou reunião com o empresariado brasileiro para fins também arrecadatórios e de distribuição de cestas básicas. O que mais chocou esta colunista que vos escreve, foi que insistentemente o governador colocou que o sucesso da reunião apenas foi possível por conta da grande credibilidade que tem seu governo, seu mandato. Esta era sua fala. Esta era sua propaganda.
Estamos em um momento extremamente delicado. A pandemia foi politizada, as consequências que sofrem grande parte dos cidadãos brasileiros, também. Em meio a tantas falas exaustivas, bandeiras políticas, minha felicidade e agradecimento a estes que se movimentam de forma genuína e solidária para trazer de novo ao prato do cidadão brasileiro a segurança alimentar.
** É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O Jornal 140 não se responsabiliza pela opinião dos autores deste coletivo.