No dia 19 de setembro deste ano se comemora o centenário do educador pernambucano Paulo Freire (1921-1997). Em um país marcado pelas desigualdades e opressões, agravados pela pandemia atual, Paulo Freire traz ensinamentos que não podem ser esquecidos, não só na educação, mas também na vida cotidiana e no projeto de país que queremos construir.
Em 1963, Paulo Freire, junto à sua equipe da Universidade do Recife, desenvolveu um programa de alfabetização, que contemplou 300 adultos, implementado na cidade de Angicos, Rio Grande do Norte, a pedido do então Governador, Aluízio Maranhão. O programa ganhou visibilidade nacional por sua efetividade e agilidade na alfabetização. Naquela época, pessoas que não eram alfabetizadas não poderiam votar.
A metodologia utilizada em sala de aula envolvia uma pesquisa prévia, por parte dos professores, sobre a realidade local dos alunos e a discussão em sala de aula era norteada pelo debate em torno de um objeto que representasse a realidade daqueles alunos. A partir da discussão sobre seu cotidiano e os problemas raízes de sua vida, o professor apresentava a palavra que denomina aquele objeto, explicava a separação de suas sílabas e apresentava a família de cada sílaba. A partir disso, os alunos eram incentivados a formar novas palavras através das famílias apresentadas.
Impressionado com o programa, João Goulart convidou Paulo Freire para coordenar um programa nacional de alfabetização. Mas, em 1964, como golpe militar que depôs o governo de Jango, o programa foi cancelado e Paulo Freire exilado. O programa nacional de alfabetização criava um constrangimento para o regime militar pois, com o objetivo de alfabetizar 1,8 milhão de pessoas, os currais eleitorais estariam ameaçados pelos novos eleitores, que se conscientizavam enquanto se alfabetizavam. Paulo Freire morou e trabalhou com educação popular no Chile, onde escreveu Pedagogia do Oprimido, obra publicada em 1970, nos Estados Unidos e Suíça. Retornou em 1980 para o Brasil, com reconhecimento internacional por seus estudos e práticas, foi professor da PUC-SP e da Unicamp. Em 1989 foi convidado pela Prefeita Luiza Erundina para ser secretário de Educação do município de São Paulo. Faleceu em 1996, com 74 anos.
O Brasil avançou na alfabetização de sua população e na oferta da educação, mas ainda são muitos os desafios para a construção de uma educação pública de qualidade e para todos. Ainda hoje, por exemplo, 6,6% da população (11 milhões de pessoas) são analfabetas (PNAD, 2019) e desigualdades de geração (idade), raça e região estão presentes nos indicadores. Contudo, o cenário da alfabetização ainda é crítico; como exemplo, pode-se citar o resultado da Avaliação Nacional da Alfabetização (MEC, 2016): metade das crianças brasileiras terminam o 3º ano do Ensino Fundamental sem estarem plenamente alfabetizadas. Dos concluintes do 3º ano do Ensino Fundamental, 55% apresentam níveis insuficientes em leitura e 54% formação insuficiente em matemática. Nos demais ciclos escolares os desafios também permeiam a aprendizagem, somados ao investimento desigual entre os municípios e regiões; falta de políticas docentes de incentivo à carreira e formação; deficiências nas infraestruturas e acesso à tecnologias; entre outros.
Cem anos de Paulo Freire e o que ainda precisamos aprender com ele? Freire foi um defensor de uma educação libertadora, crítica e transformadora da sociedade. Ele foi uma das principais vozes da Pedagogia Crítica, que não separa educação de política, uma vez que a educação se organiza e é produto de uma sociedade em disputa. A pandemia atual se constitui como uma janela de oportunidade para construirmos um projeto de educação para o nosso país.
Hoje, diferentes atores, com bases em referenciais teóricos e instrumentos distintos, disputam a agenda da educação brasileira. De um lado, estão aqueles que acreditam que é preciso investir na educação pública, vencer as desigualdades, implementar políticas mais equitativas, valorizar os professores e profissionais da educação, tornar o acesso à internet e tecnologia uma realidade nas periferias, implementar medidas necessárias para a volta às aulas presenciais em segurança. Do outro lado, estão aqueles atores que investem no ataque à educação pública, que fomentam o movimento escola sem partido, que criam vetos aos projetos que buscam garantir conectividade aos estudantes das periferias, que querem aprovar o homeschooling (ensino domiciliar) e que censuram discussões sobre gênero, raça e questões sociais. A disputa é clara, e os projetos de educação muito distintos, nos resta a mobilização pelo que acreditamos.
** É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O Jornal 140 não se responsabiliza pela opinião dos autores deste coletivo.