No último artigo trazido aqui no jornal, Pandemia continua ON: CPI da Covid-19, falei de pontos teóricos sobre o os atores da CPI da Pandemia, bem como sua construção. Nesta semana, saímos do campo das possibilidades e teorias e estamos vendo todo o trabalho do poder legislativo, mais especificamente do senado brasileiro em fiscalizar as ações do governo federal para conter os avanços da Covid-19 no país. Antes da agenda de depoimentos iniciar o governo tentou impedir que Calheiros assumisse a relatoria da Comissão e um depoimento do ministro da Justiça, Anderson Torres causou rebuliço. No final de semana passado, Torres disse que vai requisitar à Polícia Federal dados que produzam material contra os governadores. A declaração foi vista como mais uma tentativa da base governista em atrapalhar os trabalhos em tirar o foco do governo federal.
Iniciando a agenda, na terça-feira dessa semana, dia 04/05 tivemos o depoimento do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O depoimento estava previsto para iniciar as 10h, entretanto embates entre a base governista e os demais senadores que se colocam contrários ou neutros a Bolsonaro atrasaram o início da sabatina. Pontos que já haviam sido discutidos foram novamente levantados o que causou um certo estresse na Comissão. O ponto levantado pela base governista foi a respeito da inclusão de estados e municípios na investigação. O vice-presidente Randolfe Rodrigues comentou – novamente – que com relação a este tema, o que seria investigado seria o repasse de valores da União aos estados e municípios.

Num geral, Mandetta expôs diversos pontos de discordância com relação à conduta do presidente da República, Jair Bolsonaro, mas evitou ataques. O ex-ministro comentou sobre uma comissão extraoficial que assistia o presidente, composta pelo filho Carlos Bolsonaro, vereador no estado do Rio de janeiro e outros assessores. Em uma das reuniões do grupo, Mandetta relatou ter visto um ofício em papel não timbrado recomendando que a Anvisa alterasse a bula da cloroquina para que nela constasse a indicação do medicamento para o tratamento precoce da Covid-19. Contrapondo esse posicionamento, Mandetta declarou ter enviado a Bolsonaro uma carta pedindo que ele mudasse de postura e que não insistisse em um tratamento que não era cientificamente eficaz. Mandetta ainda comentou que as reuniões com essa comissão extraoficial eram periódicas.
A dubiedade de discurso também foi colocada pelo ex-ministro. Era planejamento do Ministério da Saúde uma campanha que colocasse como recomendação única o uso de máscaras e o distanciamento social. Com o insucesso de um discurso único, as ações não farmacológicas eram colocadas de maneira verbal nas coletivas de imprensa a fim de direcionar os estados a criarem suas campanhas. Foi levantado também o fato de que o Ministro da Economia ia muito em linha com Bolsonaro, primavam apenas pela economia mesmo sabendo da possibilidade de uma segunda onda de contaminação. Além disso, Mandetta relatou que grande parte dos diálogos com o Ministério da Economia eram com o segundo escalão. Foi também pautado rusgas com o Ministério das Relações Exteriores no comando do ex-ministro Ernesto Araújo. Mandetta pedia apoio no diálogo com a China sobre possíveis vacinas e constantemente tinha seu pedido negado por Araújo e pelos filhos de Bolsonaro que constantemente estavam no MRE.
Anteontem, no dia 05/05 tivemos o depoimento do mais breve ministro da Saúde, Nelson Teich que ficou no cargo por pouco menos de um mês. Teich, diferente de Mandetta, foi mais evasivo nas respostas. Mas também declarou dois pontos em comum: a dificuldade de autonomia no comando do Ministério e discordância com relação ao uso da cloroquina para o tratamento precoce da Covid-19. Estes foram os pontos principais de desgaste que o fizeram afastar-se do cargo. Teich ressaltou que foi em seu breve mandato que foram iniciadas as negociatas com a vacina de Oxford/ AstraZeneca e comentou que a tese da imunidade de rebanho adquirida através do contato, defendida pelo presidente da República é um erro.
Ponto importante é que a sessão de depoimento de Teich foi marcada pela discussão entre senadores considerando a participação da bancada feminina na CPI. A agitação aconteceu porque o presidente da Comissão, Osmar Aziz (PSD-AM) deu voz para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), antes dos demais membros titulares. A rigor, membros suplentes não tem poder de voto e podem fazer questionamentos depois dos membros titulares. A senadora em questão é membro suplente da Comissão.
Ontem, dia 06/05 foi dia do depoimento do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Sua sessão foi envolta de estresse por conta das respostas constantemente evasivas. A despeito disso, o presidente Aziz ameaçou encerrar a sessão pela falta de respostas pontuais por parte do ministro. Era de expectativa dos senadores duas grandes questões: a compra de vacinas da Pfizer e o protocolo clínico para o tratamento da Covid-19. O que os senadores queriam saber sobre o protocolo é se ele incluiria ou não a cloroquina. Com relação a ambos os temas, Queiroga não foi assertivo e deixou mais uma dúvida.
Na insistência de saber seu posicionamento com relação ao tratamento precoce da Covid-19 com a cloroquina, Queiroga colocou que essa pauta não era essencial e que a importância estava na vacina e em medidas não farmacológicas como o distanciamento social e o uso de máscaras. Em uma nova insistência dos senadores para tentar obter um posicionamento do Ministro, os titulares governistas da comissão foram em defesa do ministro.
Queiroga também foi confrontado com relação à distribuição de cloroquina para estados e municípios. Esta informação, segundo os senadores constava no site do Ministério da Saúde, contudo, o ministro disse não ter conhecimento dessa ação. Outra informação desencontrada foi com relação à quantidade de vacinas contratadas; foram 430 milhões segundo o depoimento de Queiroga e não 560 milhões como constava em peças publicitárias divulgadas pelo governo. Constantemente as respostas do atual ministro vinham com sua impossibilidade de ser mais assertivo por não querer fazer juízo de valor. Não foi diferente quando a ele foi questionado sobre o que ele achava que poderia ter sido feito para evitar o atual quadro.
Queiroga ficou na gangorra entre se ater às opiniões técnicas e médicas e não entrar em confronto com o presidente Bolsonaro. Comentou desconhecer o conselho extraoficial que assiste ao presidente da República, afirmou ter autonomia para atuar, colocou que qualquer a aglomeração, seja ela de quem quer que seja, deve ser dissuadida, também apontou, assim como Teich, que a imunidade de rebanho é um erro e que a solução é a campanha de vacinação. Queiroga ainda se colocou contra a quebra de patentes de vacinas. O Ministro da Saúde ainda pediu ao Congresso que dê um voto de confiança para sua atuação frente ao Ministério.
Para a semana que vem, novamente uma alteração na agenda de depoimentos. Estão previstos:
- Dia 11/05, presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres;
- Dia 12/05, ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten;
- Dia 13/05, ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e além de um representante da farmacêutica Pfizer (os possíveis nomes são Marta Díez, presidente da farmacêutica no Brasil e seu antecessor, Carlos Murilo).
Os depoimentos dos demais nomes levantados nas redes sociais desta colunista que vos escreve – Nísia Trindade, da Fiocruz, Dimas Covas do Butantã, e Fernando Castro da União Química, ficaram em haver pelos senadores.
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