Começo esse artigo tomando a liberdade de saudar todos os meus antepassados, minhas raízes nordestinas, do sertão de terra rachada por falta da chuva, no interior da Bahia. Reconheço todas as mulheres que ajudaram a criar a realidade onde estou hoje, meus desafios como mãe, aprendiz, amiga e feminista.
Estamos nos aproximando do Dia das Mães, este artigo é um espaço para homenagear todas as mães que, nesses tempos tão nebulosos, conseguem ser um continente onde podemos nos apoiar, na alegria da sua presença ou na saudade de uma lembrança.
Nós somos feitos de histórias, enredos do que a vida nos fez, somos lapidados pelo acaso por meio de nossas escolhas e trajetórias.
Desde cedo, aprendi a valorizar a comida no prato, a poupar recursos como a água. Minha mãe sabe, desde a infância, a respeitar a natureza e até hoje usa bacias para estocar a água da chuva para regar seus 167 vasos de plantas (verdade, eu contei antes de escrever).
Cresci ouvindo suas histórias de quando era criança numa terra castigada pela seca, privada de toda sorte como comida, escola, trabalho, conforto. A fome é a pior das provações que um ser humano pode ser exposto.
A casa onde mainha nasceu foi feita de barro, uma engenhosidade popular, mais segura que muito prédio de cidade grande. Não tinha banheiro, energia ou água encanada.
Eu e minhas irmãs visitamos algumas vezes a cidade onde meus pais nasceram, Aricibé, um povoado anexado a Euclides da Cunha-BA, localizado a 350km de Salvador.
Nos anos 80 era uma verdadeira aventura chegar lá. Íamos de ônibus, saindo do terminal Tietê, com duração de 3 dias de viagem. Quando qualquer pessoa de fora chegava, o povoado parava para receber seus filhos desgarrados.
Lembro-me de coisas muito peculiares para uma criança da cidade grande. Na casa de meus avós não tinha geladeira, logo pela manhã íamos à roça vizinha pegar leite, recém-tirado da vaca. A carne precisava ser salgada, colocada no sol, para durar mais tempo. Comíamos também as galinhas criadas no quintal. A sobremesa ficava por conta das frutas como manga, caju e umbu, colhidas diretos do pé.
O banheiro era um exercício ao ar livre, tendo um galinheiro para garantir um pouco de privacidade. O banho era de bacia em um dos quartos da casa. Para iluminar as noites lamparinas a gás e candieiros a querosene. A energia era privilégio de poucos, somente residências ou comércios localizados na praça principal tinham eletricidade a gerador até às 22h00.
Uma das recordações mais marcantes que tenho, foi a de contemplar o céu do sertão à noite. A lua cheia faz sombra, acompanhada de um tapete cravejado de uma infinidade de estrelas, assim como nas histórias que minha mãe nos contava.
Durante o dia, o sol é uma bola de fogo. O tempo seco levanta uma poeira que cobre a pele de marrom. Havia um poço onde a comunidade pegava água e nós, meninas da cidade grande, acompanhávamos nossas primas, tias, tentando equilibrar os potes cheios na cabeça.
As roupas eram lavadas em pequenos lagos e o sol quarava as roupas no varal…como naquela linda canção.
Antigamente, o trabalho infantil era muito presente na rotina da casa e da roça. Os afazeres domésticos eram realizados somente por mulheres. Aos homens cabiam tocar o gado, cuidar da roça e dos pequenos comércios locais. Na época da minha mãe eram poucas as meninas que iam para escola. Ela, depois de muito insistir, conseguiu ser alfabetizada aos 12 anos.
O pouco letramento a fez valorizar muito nossa educação, sempre nos incentivou ao estudo, como um caminho seguro para conquistarmos condições melhores de vida, o poder das escolhas para desenhar a realidade que queremos viver.
Minha mãe é pura história, sua sabedoria transcende os livros, da infância difícil aos desafios que a fizeram crescer em São Paulo, sem perder a alegria, disposição e um coração que transborda amor.
Eu aprendo muito com toda essa ancestralidade, a capacidade ímpar de superar as adversidades, melhorando a cada dia como gente, compartilhando nossas trajetórias. Tudo o que sou também é reflexo do que a vida fez com essa mulher. Passo adiante essa história como agradecimento e reconhecimento a todas as pessoas que se identificam nesse papel de mãe.
Feliz Dia das Mães, Dona Dina!
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