Na semana passada, trouxe a vocês um artigo com os principais pontos dos depoimentos do ex-ministros da Saúde Luis Henrique Mandetta e Nelson Teich, que ficou no cargo por pouco menos de um mês e do atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga. Muitas respostas não foram satisfatórias por serem evasivas demais, o que elevou os ânimos dos senadores. Na segunda semana de depoimentos da CPI da Covid-19 o clima tenso seguiu presente, mas novas respostas surgiram e pudemos ter esclarecimentos importantes com relação à comissão extraoficial que assessora o presidente da República, bem como com relação a (não) compra de vacinas.
Depoimento do Presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres
O primeiro depoimento da semana passada aconteceu no dia 11/05 e foi do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres. Para contento dos senadores, Torres foi bastante claro e objetivo e ressaltou que a Anvisa é um órgão de Estado e não de Governo, por isso em momento nenhum deixou que Bolsonaro influenciasse qualquer decisão sua ou do órgão. Quanto à cloroquina, a Anvisa autorizou o início de um estudo que deve ser concluído até o final deste ano, mas não chancela o uso do medicamento como efetivo para o tratamento precoce de Covid-19. Em se tratando da alteração da bula do medicamento, Barra Torres foi certeiro e comentou que a Anvisa não tem autoridade para fazer qualquer mudança no texto, e que a alteração apenas pode ser feita pelo detentor do registro do medicamento, e se a autoridade local de saúde e vigilância sanitária assim entender que a alteração é tecnicamente válida.
Para o avanço da campanha de vacinação, Barra Torres confirmou que anseia aprovar a vacina Sputnik V, mas para isso precisa que os russos apresentem informações científicas. Já com relação à Covaxin, da Bharat Biotech, Torres não acredita que o Governo Federal tenha se precipitado na compra, mesmo que de primeira ela não tenha sido aprovada pela Anvisa. Segundo ele, a vacina ainda pode ser aprovada caso a empresa corrija os pontos colocados pelo órgão. Barra Torres ainda pediu ‘acreditem e confiem nas vacinas aprovadas pela Anvisa’.
Torres se posicionou contrário a algumas posturas de Bolsonaro, como o embate com o Governador do Estado de São Paulo com a vacina chinesa, aglomerações e o não uso de máscaras. Também disse se arrepender ter acompanhado o presidente da República em um ato de apoiadores em março de 2020.
Depoimento do atual secretário do Ministério das Comunicações, Fábio Wajngarten
Na sequência, dia 12/05 tivemos o depoimento mais tenso e cansativo da semana, o do atual secretário do Ministério das Comunicações e ex-chefe da secretaria especial de Comunicação do Governo Federal, Fábio Wajngarten. Ele foi questionado sobre o atraso na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde e sobre campanhas de comunicação do governo federal. Também foi questionado sobre alguns pontos colocados por ele em entrevista à Revista Veja, também foram levantados pelos senadores. Wajngarten foi acusado pelos senadores de mentir sistematicamente. Omar Aziz, presidente da Comissão, também irritado com mentiras e respostas evasivas ameaçou encerrar a oitiva e convocá-lo novamente não mais como testemunha.
Um dos auges do depoimento de Wajngarten foi a respeito da afirmação que o secretário fez em entrevista para a Revista Veja quando alegou incompetência do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello na compra de vacinas da Pfizer. Na CPI, ele negou ter dito isso e para desmenti-lo os senadores trazem o áudio em que o entrevistador da Veja pergunta ‘Foi negligência ou incompetência?’ e sem hesitar, Wajngarten responde ‘Incompetência, incompetência. Quando você tem um laboratório americano com cinco escritórios de advocacia apoiando na negociação e você tem do outro lado, um time pequeno, tímido e sem experiência, é 7×1’, fazendo alusão a um dos episódios mais vergonhosos do futebol brasileiro.
O Secretário trouxe outro fato complicado e importante que foi afirmado no depoimento de Carlos Murillo, ex-presidente da Pfizer. No dia 12 de setembro a farmacêutica enviou ao governo federal uma carta proposta para venda de vacinas que ficou sem resposta mais de dois meses. Dentre todas as respostas evasivas, esta não seria diferente: Wajngarten negou ter conhecimento sobre a comissão extraoficial que assessora Bolsonaro, sendo que este comitê foi trazido nos depoimentos de Mandetta, Teich e Barra Torres.
Com relação às companhas, Wajngarten entrou em contradição algumas vezes. Afirmou de primeira que a Secretaria de Comunicação não havia contratado influenciadores para fazer campanha sobre o tratamento precoce. Ao ser confrontado com uma reportagem em que a agência Calia, contratada pelo governo, pagou R$23mil a influenciadores digitais para falar sobre a cloroquina, o secretário confirmou o valor e disse que eles foram contratado porque tinham ‘muitos seguidores’. Outra campanha que foi questionada foi a “O Brasil não pode parar”. Essa foi vista como uma mensagem contrária ao isolamento social e circulou em março de 2020. O vídeo foi compartilhado por diversos ministros, contudo, Wajngarten disse que a campanha era apenas de caráter experimental, não deveria ter sido divulgada. Lembrando que ela foi divulgada nas redes sociais da Secretaria.
Slogan da campanha comentada pelos senadores. Wajngarten negou que a campanha tenha sido veiculada.
Mais mentiras! Wajngarten teve covid em março de 2020 e os senadores o questionaram sobre o uso da cloroquina em seu tratamento. O secretário disse que ’em março não se falava o nome cloroquina’, entretanto – e novamente – foi trazido pelos senadores evidências que comprovavam que naquela época a OMS já alertava sobre a falta de eficácia do medicamento para o tratamento precoce da Covid-19 e que no mesmo mês, Bolsonaro requisitou aos laboratórios do Exército que aumentassem a produção do medicamento.
Durante o depoimento de Wajngarten houve pedido de prisão por parte de alguns senadores, mas Aziz contemporizou e comentou que não seria carcereiro de ninguém. Contudo, o depoimento do secretário foi encaminhado ao Ministério Público para melhor investigação das afirmações. Esta situação irritou um membro externo da CPI, Eduardo Bolsonaro, que deu palavras em defesa de Wajngarten e comentou que a CPI era a “responsável” por levar a vacina para o braço dos cidadãos. Para além, Flávio acusou o ex-ministro Mandetta de mentir, acusou Calheiros de se promover e acabou por xingar o relator da Comissão.
O último depoimento da semana, dia 13/05 tivemos o Gerente Geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo. Na época, Murillo era presidente da farmacêutica e estava à frente das negociações com o Governo Federal Barsileiro.
Um dos pontos mais importantes foi o Murillo confirma a carta proposta enviada pela farmacêutica. Comenta que ela foi enviada para o Presidente da República, Jair Bolsonaro; ao Vice-Presidente, Hamilton Mourão; ao Ministro da Casa Civil, Braga Neto; ao Ministro da Saúde (à época), Eduardo Pazuello; ao Ministro da Economia, Paulo Guedes; e ao Embaixador do Brasil nos EUA, Nestor Forster.
O atual Gerente Geral comentou que o Governo Brasileiro, só em agosto de 2020 negou, 3 ofertas da Pfizer. As negativas continuaram até fevereiro de 2021. Poderiam ter chegado ao Brasil 1,5 milhões de doses ainda em 2020. O acordo foi finalmente assinado em março deste ano e este acordo diz que até junho, o Brasil deve receber 14 milhões de vacinas da Pfizer.
Em uma das inúmeras oportunidades de encontro com o governo brasileiro a farmacêutica ofereceu vacinas a US$10/ dose (preço para países de renda média). Esse valor foi na primeira oferta feita em 14 de agosto de 2020. Ponto que ressalta a atuação da comissão extraoficial foi o comentário de Murillo sobre ter tido diversas reuniões com o Governo. Cada vez com um conjunto de pessoas. Uma das reuniões contou com a presença de Carlos Bolsonaro junto de Wajngarten.
Segundo Carlos Murillo, o cronograma de tentativas da Pfizer com o Governo Federal:
Maio e junho de 2020:
- Reuniões para compartilhar status de desenvolvimento da vacina.
Julho de 2020:
- Reunião em que foram resumidas as condições de compra do imunizante
Agosto de 2020:
- 6/ ago: Ministério da Saúde manifestou interesse na vacina;
- 14/ ago: Pfizer fez a 1a oferta: uma com 30 milhões de doses e outra com 70 milhões, com possível entrega entre final de 2020, início de 2021.
Agosto de 2020:
- 18/ ago: Pfizer volta a fazer oferta por 30 e 70 milhões de doses, com adicional de doses ao final de 2020;
- 26/ ago: Pfizer fez uma terceira oferta, de 30 e 70 milhões de doses, com adicional um pouco maior para o primeiro trimestre de 2021.
Novembro de 2020:
- 11/ nov: Atualizada distribuição da oferta de 70 milhões
- 24/ nov: Mesma oferta com condições diferentes.
Fevereiro de 2021:
- 15/ fev: Oferecidas 100 milhões de doses.
Março de 2021:
- 8/ mar: mesma oferta de fevereiro, 100 milhões de doses, com 14 milhões no segundo trimestre e 86 milhões no terceiro trimestre de 2021. Esse foi o contrato assinado com o governo.
Abril de 2021:
- 23/ abril: segundo contrato assinado com mais 100 milhões de doses. Tratativas em fase final.
A farmacêutica Pfizer confirmou que todos os países tem as mesmas condições de contrato. E no encerramento do depoimento Carlos Murillo afirmou que a vacina que está apta para vacinar adolescentes entre 12 e 15 anos nos EUA é a mesma vacina que vem para o Brasil.
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