Em uma cena de Dom, série brasileira que estreia nesta sexta, 4/6, na Amazon Prime Video, o pai de Pedro, desesperado com o sumiço do filho pelos morros do Rio de Janeiro em busca de drogas, questiona a empregada da família. Ela também mãe em desespero de um rapaz envolvido com drogas, devolve o questionamento, o filho dela era pobre e sempre viveu no morro, mas qual era a desculpa de Pedro?
A pergunta paira por toda a série como também pairou por toda a história real de Pedro Machado Lomba Neto, rapaz da classe média carioca que, de fato, não tinha em sua biografia quaisquer das carências sociais e financeiras que podem tornar o crime uma saída. Bonito, charmoso, surfista, não faltaram a Pedro dinheiro, acesso à educação ou apoio familiar quando o vício se confirmou. Uma sequência de internações tentou afastá-lo das drogas. Mas, Pedro passaria à história como líder de uma quadrilha especializada em roubos a residências, onde seus cabelos loiros e olhos verdes facilitavam a entrada e desligavam as desconfianças de porteiros e seguranças. Dom, alcunha que adotou desde adolescente, resgata a história de Pedro e também de seu pai, Victor, ironicamente um policial que testemunhou a chegada da cocaína ao Brasil e o rastro de destruição que a acompanhou.
Baseada nos relatos do próprio Victor Lomba, que antes de virarem série se transformaram em um livro de Tony Bellotto (Dom – Companhia das Letras) e outro do próprio Victor (O Beijo da Bruxa – Baraúna), Dom segue em duas linhas, a juventude do próprio Victor e sua busca por uma vida com significado que o leva à carreira na polícia e, mais adiante no futuro, a história de Pedro. Ambos “viciados em adrenalina” nas palavras do diretor Breno Silveira durante a coletiva de lançamento da série.
Conhecido por outros trabalhos envolvendo pais e filhos, como Entre Irmãos e Dois Filhos de Francisco, Silveira foi procurado pelo próprio Victor para contar a história de Pedro. “Ele bateu na porta da Conspiração dizendo que tinha uma história importante para contar”, relatou o diretor e show runner da série. “Lembro que eu não quis atender num primeiro momento e ele ficou na portaria horas”. A insistência do ex-policial rendeu uma história inspirada em fatos reais que acompanha a ânsia de Victor por fazer o que é certo e a atração de Pedro pelo desafio. Entre um e outro, o vício, a transformação dos morros cariocas em área dominada pelo crime organizado e a corrupção, sem a qual todo o processo de entrada da droga no país e transformação do crime em atividade organizada não seriam possíveis. Filmada em locações diversas pelo Brasil, a série reconstitui com sucesso o Rio de Janeiro dos anos 1970, quando o morro era moradia de gente pobre e não a área conflagrada em que hoje combatem blindados da polícia, milícias e traficantes. Não falta tensão, tanto no ambiente externo em que Pedro se insere, nem no interior da família onde as escolhas de Pedro sugam toda a energia.
“Essa inspiração veio de muito material e juntar ele e transformar ele nessa teia para o espectador entender é que é o complicado”, explicou Breno Silveira contando que, já no hospital, afetado pelo câncer que o matou, Victor passou a enviar enormes textos contando coisas que não apareciam nos livros e nem haviam sido citadas nas entrevistas concedidas por ele aos roteiristas.
Na pele de Pedro, Gabriel Leone (Minha Fama de Mau) retrata toda a energia do rapaz, sua personalidade “solar”, como descrito por Breno Silveira. Inteligente, capaz, ele avança pelo vício e pelo crime sem reconhecer limites. “A história que a gente está contando já tem um spoiler por si só”, comentou Leone durante a coletiva, lembrando que os fatos estão disponíveis na Internet para quem quiser saber o que aconteceu. “É uma tragédia familiar”. Para Silveira, Pedro queria “viver tudo muito rápido”, e esse desejo transparece na série a cada perigo ignorado, a cada passo de Pedro rumo ao desastre.
Por seu lado, o Victor de Flávio Tolezani (Psi) é a raiva e o desespero constantes de um homem que vê a ruína de quem mais ama e não encontra saída. Restou-lhe deixar o relato de uma vida perdida. “Eles se amavam muito”, resumiu Breno Silveira. “Todas as minhas histórias falam de laços, e o laço pai e filho pra mim, eu não sei, é uma coisa que me persegue”.
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