Hegel escreveu em 1837 que todos os grandes personagens da história são encenados duas vezes. Mais tarde, Marx acrescentou: a primeira encenação como tragédia e a segunda como farsa. Li essa passagem e imediatamente remeti a nossa história.
Militares e civis deram um Golpe de Estado em 1964, que configurou a tragédia de um regime autoritário, militar e nacionalista até 1985. Em 2015, iniciou-se o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff sob acusações de desrespeito à lei orçamentária e à lei de improbidade administrativa, que culminou na cassação de seu mandato em 2016. Esse foi o marco para o início de uma disputa pelo poder que unificou políticos conservadores e de centro, mercado financeiro, mídia e judiciário, pela destruição da imagem pública e inabilitação do ex-Presidente Lula, através do que chamamos de lawfare – emprego de manobras jurídico-legais para atingir determinado alvo.
Estava aberto o caminho para a eleição de Bolsonaro, que contou com apoio financeiro estrangeiro e uma máquina de fake news e de comunicação em massa criminosa. O que grande parte desses setores não previu foi que a segunda encenação cívico-militar era uma farsa. E farsantes não se sustentam por muito tempo.
Ainda não chegamos ao último ano de Governo, mas desde o início os marcos são desastrosos. Hoje, são 20 milhões de desempregados e desalentados;19 milhões de pessoas com fome e mais da metade dos lares brasileiros com algum grau de insegurança alimentar; mais de 460 mil mortos por uma doença contra a qual existem múltiplas vacinas; falta de planejamento e ação coordenada para conter a pandemia; falta de plano nacional de imunização rápido, eficiente e baseado na ciência; e-mails de fabricantes de vacinas ignorados; “orçamento secreto” para compra de apoio no Congresso – maior escândalo de corrupção do país. A lista é interminável. E quanto mais pobre, negro e favelado é o cidadão, mais doloroso é conviver com tudo isso.
Em 29 de maio, em mais de cem cidades pelo país, milhares de pessoas protestaram contra o Governo e pela própria vida. A ala bolsonarista reagiu aos protestos de forma alinhada: inflaram o discurso polarizado e centraram os ataques em Lula. Na imprensa internacional, jornais de Portugal, Espanha, França, Argentina, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, noticiaram os protestos do dia 29. O jornal francês Le Monde escreveu: “Dezenas de milhares de pessoas marcharam novamente, no sábado, 29 de maio, em várias cidades do país para protestar contra o chefe de Estado da extrema direita e sua contestada gestão da pandemia, que deixou quase 460.000 mortos”.
Como um grito pela terceira via nas eleições de 2022, em contraposição à mídia internacional, a grande mídia brasileira se utilizou das chamadas “matérias de gaveta” (aquelas guardadas para dias em que não se tem notícias quentes) para minguar as manchetes sobre os protestos do 29 de maio.
Mas, o que vemos é um Governo desgastado pela má gestão, irresponsabilidade e pelo aprofundamento da crise sanitária, econômica e social. Como opção, Lula aparece, segundo a última pesquisa Datafolha, com vantagem pela disputa pelo Palácio do Planalto em 2022. Uma terceira via, por ora, não é capaz de sustentar uma disputa acirrada com Bolsonaro e chegar ao segundo turno. Se Lula conseguir unificar interesses dos diversos grupos insatisfeitos com Bolsonaro, em 2022 poderemos respirar com algum alívio, mas, provavelmente, sem nutrir grandes esperanças de um governo progressista que faria reformas estruturais e necessárias para alcançarmos um país onde o CEP, a cor e o gênero não defina o destino e onde a democracia representativa e participativa seja reafirmada cotidianamente.
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