Lucas Grosso faz, sobretudo, poesia. Formado em Letras na PUC-SP, com mestrado em Literatura pela mesma instituição, é professor da prefeitura e autor de “Nada” (Patuá, 2019) e “Hinário Ateu” (Urutau, 2020), entre outros escritos.
Lucas, pesando na situação pandêmica, além de nos desmontes e ataques às humanas, como você diria que é ser-professor?
Aposta. Ser professor nesses dias é muito uma aposta. Restam uns poucos alunos interessados e o que resta é tentar, de alguma forma, falar alguma coisa para eles que vá fazer 1, entre 5 ou 6 que vão à escola, ser uma pessoa que vai fazer alguma coisa.
O que você pontua como dificuldade e alegria?
Dificuldade? Falar a língua do povo. A língua errada do povo. Competir com outras formas de diversão, mais simples, mais imediata, mais barata, e mostrar que o que eu acredito, de alguma forma e por algum motivo, tem valor. A intelligentsia de todas as polaridades também não ajuda; temos acadêmicos e pensadores muito ortodoxos, pensando em castelos no céu, ao invés de pontuar coisas imediatas.
Alegria, pra mim, é quebrar isso. Por isso tenho a convicção de divulgar o que der em pdf, levar gente diferente, falar numa linguagem acessível. Essas ‘brisa toda’.
Quanto à poesia…qual a sua primeira lembrança de escrever?
Provavelmente, aos 3 anos de idade, ou menos, ditando histórias para minha mãe, ou algum outro adulto escrever. E com pouca idade, também ouvir histórias… Mas você perguntou de escrever, né? Então, de escrever é isso.
Você sabe dizer o porquê de fazê-lo hoje?
Não tenho muita certeza. Tem um episódio d’Os Simpsons em que o saxofonista mais velho fala pra Lisa que o jazz não é pra deixar ninguém feliz e sim deixar os outros tão mal quanto ele. Acho que era isso, eu poderia pesquisar, mas pra entrevista ser espontânea, vamos deixar a coisa assim.
Bem, acho que escrever é isso. Pra mim é isso. É uma forma de a realidade passar por mim. Ser diluída por mim. É uma forma de eu fazer os outros – ou levar os outros – a pensarem como eu.
Porque no fundo, provavelmente, os escritores são sempre gentes meio egóicas, achando que a visão de mundo deles é tão interessante, que outras pessoas também deveriam ver aquilo. Acho que meu caso é esse.
Vejo uma coisa, sinto alguma coisa, tenho alguma emoção, penso: queria que mais gente se sentisse assim; queria que mais gente imaginasse ou visse o mundo assim. Aí escrevo.
Provavelmente tem alguma coisa aí de frustração. Aquele episódio lá do Relatos selvagens em que o cara põe todo mundo no avião, e o avião cai… escrever é um pouco disso, mas simbolicamente.
A gente escreve poemas falando coisas, porque falar essas coisas é só o que dá.
Escrever pra não jogar tudo pro alto e viver a mais pura anarquia. Manipular o mundo a nossa volta. Vencer o tédio.
É tudo mais ou menos isso, o que motiva minha escrita.
Como é seu processo criativo?
É meio que sorte. Eu tenho várias técnicas que aprendi com a Angélica Freitas, num curso em 2017, no Centro Cultural Oswald de Andrade, e ela, por sua vez, traz isso da Bernadette Meyer (Procurem No Google, Bernadette Meyer + Marília Garcia + Experiências De Escrita).
Mas tem vezes que nada disso funciona. E aí eu escrevo pouca coisa aproveitável.
Mas tem vez que eu estou com o olhar treinado. Quando eu leio gente boa.
A Ana M me desperta o olhar, o Beckett, o Kundera, o Luís Fernando Veríssimo, entre muitos outros.
E aí as coisas vão acontecendo.
Tem vez que eu vou juntando sonhos, frustrações, planos, imaginações e outras barafundas todas e a coisa vai surgindo. Noutras, é caso de que a realidade é algo tão forte, que preciso de fazer poesias ou prosa pra entender aquilo.
Os meios (computador, máquina, escrita à mão, gravar) também podem alterar e mudar alguma coisa do conteúdo. Na máquina, depois que seus dedos ficam agitados, as palavras meio que vêm na sua cabeça, você não quer parara, escrever qualquer coisa, só pra exercitar os dedos…
E claro, ouço histórias das pessoas transformo elas em coisas minhas. Não é plágio, mas é aquilo de você ouvir um causo de família, pegar a ideia central dele, mudar nomes e situações…
Algumas de suas produções contém referências a artistas…é possível apontar algum deles como maior inspiração?
Ah, eu gosto muito de fazer diálogos com eles, quando dá. Inspiração? Muitas. Vou aproveitar o espaço e falar que meu blog tem a coluna 100 Palavras, de resenhas de até cem palavras, sobre livros que me deixaram sem palavras.
É um trocadilho bem idiota, mas ninguém usou antes.
Mas pra sermos objetivos, minha vida literária começou com a leitura de Comédias da vida privada do Luís Fernando Veríssimo, aos 11 anos, depois veio o “Capitão Rodrigo” com uns 12 ou 13, varias pessoas meio x (o Álvares de Azevedo, porque né? Gótico, terror blablabla…), até os 17, com 18 o Kundera, e tudo mais. E a poesia marginal dos anos 70, no primeiro ano da PUC, quando eu tinha 18.
Cacaso, Ana C, Chacal. Poesia doida, doida. Que caceta era aquilo? Minha escrita dos 18-19 anos era bem ruim, porque eu copiava bastante eles.
Gostei muito do livro dos não-lugares do Marc Augé. Ele fala de antropologia de um jeito divertido, e não com a linguagem blasé dessa francesada tudo. Ele parece um documentário dos canais Discovery.
O Fernando Namora, um cara de Portugal dos anos 40-90, tem um livro de poesia incrível chamado Marketing que é não-lugares cuspido e escarrado, e é uma influencia forte.
Os romances do Hatoum foram as primeiras vezes que li uma coisa literária com olhar acadêmico e lá descobri algo que não sei dizer o que, mas que mudou a forma de eu entender minha escrita.
Recentemente, a Julia Dantas, Aline Rocha, Carol Bensimon e Alice Sant’anna, Ellen Maria. Elas falam sobre a nossa geração. Os millennials. O que é essa gente nascida entre 80 e 95, como a gente vive esse mundo de representações caóticas frágeis e insuficientes, como que a gente vive o fim das ideologias sólidas, sexualidade e afetos fluídos…
E a Lubi Prates. Ela abre minha cabeça sobre o tripé gênero-raça-classe, e acho que isso é vital pra eu não escrever tanta merda. Merda a gente escreve sempre. Mas não escrever tanta é importante. Os livros dela ajudam muito, nesse sentido.
Enfim, muita gente, na verdade. Eu queria muito falar de mais gente, mas nesse caso ia parecer uma enorme lista de livros, e talvez alguém que não esteja aqui listado fique frustrado. E não quero arranjar briga. Mas eu garanto que é muita gente, mas acho que esses daí de cima me impactaram bastante.
Pensando nos seus estudos de mestrado…você tem planos para escrever também romances?
Eu tinha planos de só escrever romance. A poesia foi um erro de percurso. No início ela era muito intuitiva, era muito cópia daquelas pessoas todas aí de cima. As mais de cima, na verdade. Mas desde a graduação eu tenho planos.
Mas a gente não lida com planos, lida com trabalho, né? E eu não consigo parar e juntar um enredo, desenvolver personagens. Tenho de trabalhar e nisso a poesia me é vantagem
Era vantagem na graduação, quando eu estudava e não tinha tempo de ficar focando em um romance, e parar tudo mais etc., e hoje é vantagem porque trabalho na prefeitura, faço escrita de conteúdo. As contas não esperam.
Vantagem, no caso, é “tempo de parar e pensar”. A prosa exige você criar uma outra voz, outras enfim, as personagens. Ou fazer um grande paranauê psicológico experimental que é só você, falando, falando, falando…
Não sei quem sabe é um plano pro futuro, esse grande paranauê da vaidade, indo na esteira do Beckett e seus romances doidos.
Mas idealmente, eu quero escrever romances com uma cara tradicional, e alguma coisa de filosófico social politico antropológico. Romances que falem mal de gente branca com problemas metafísicos, enquanto o pau come do lado de fora. Romances que unam romantismo, melancolia, política, crises existenciais e tecnológicas a ruptura de ideologias e tudo num formato meio tradicional a crônicas de Veríssimo, romances de Namora e Kundera e contos de Tchekhov.
Escrevi muitas crônicas no ensino médio, inspirado pelas comédias da vida privada. Parei, não sei porque, talvez eu tenha perdido a ingenuidade da época, penso demais as personagens.
Mas escrever romances? Quero.
Quero ver se ainda faço a Comédia Humana da nossa geração (millennial).
Enfim, vamos a questões rápidas…
Um livro: eita… hmmmmmm… Comédias da Vida Privada do Luís Fernando Veríssimo. Aquele com a capa desenhada pelo Caulos. A culpa é deles.
Um poema: Marketing do Fernando Namora
Um excerto: “Todo homem verdadeiro traz da juventude uma direção. Depois, só lhe resta ter vergonha e manter-se-lhe fiel; ou então, apodrecer”. Fernando Namora, O Homem Disfarçado. Está na minha dissertação de mestrado, junto com um trecho d’Os Simpsons “Eu não estava mentindo. Eu estava criando ficção com a minha boca”. Mas eu tive de procurar o arquivo em pdf, pra copiar e colar, senão ia escrever “Falar, Falar, você só sabe fazer isso” do papagaio La Verdure de Zazie No metro do Queneau.
Um recado a leitores, escritores e professores que persistem neste momento difícil: parem de discutir a arbitrariedade do signo linguístico e vamos discutir formas de fazer nossa gente começar a ler e pensar literatura. A básica mesmo, que rima amor e dor. Vamos sair do palanque, ir pro chão, parar com o proselitismo.
Caciques literários vão me chamar de jovem raivoso e idealista, etc., mas a verdade é que meus alunos da prefeitura, os pais deles, e meus pares professores não se importam com esses caciques. O que esses caciques fazem não chega até eles. E quando chega, não faz diferença pra eles.
O preço do gás não baixou, só porque alguém estudou as potências do não-dizer em Clarice Lispector pela ótica de Derrida…
Enfrentar o fascismo não é só fazer manifestos, eventos e protestos (aliás, em Pessach: a travessia do Cony, tem um personagem caricato que, diante do golpe de 64 propõe fazer um manifesto, e o narrador comenta isso com muito cinismo).
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