Conheci rapidamente Orlando Drummond durante uma visita que fiz aos estúdios da Herbert Richers, no Rio de Janeiro. Um papo rápido onde externei minha admiração pelo trabalho dele (coisa de fã) e descobrindo, que ele estava dublando naquele momento uma nova série para a Globo, sobre um alienígena peludo que chegou à Terra depois que o planeta dele explodiu (seus habitantes usaram o secador de cabelo ao mesmo tempo!). Sim, ele estava falando do futuro ALF – O ETeimoso.
O paulistano Orlando Drummond Cardoso nasceu em 1919. A partir dos anos 50, abraçou a carreira de ator e dublador, onde sua experiência em radionovelas o conduziu para ser uma das vozes mais marcantes e populares do Brasil. Uma voz que o salvou de um assalto no Rio de Janeiro, quando os bandidos o reconheceram como sendo a voz do Scooby Doo. Personagem que, aliás, o colocou no Livro de Records do Guinness, por ter feito a dublagem do desenho animado por quase quarenta anos. Eu sempre o considerei pela versatilidade, o nosso Mel Blanc, responsável por incontáveis vozes das animações americanasa como o da Turma do Pernalonga.
Não lembro ao certo quando ouvi Drummond pela primeira vez. Acredito que foi assistindo no cinema A Espada era a Lei (1963), quando ele fez a voz de Arquimedes, a coruja-assistente de Merlin. É claro que não sabia disso na época e só reparei nisso quando revi o filme em VHS. A nossa memória afetiva sempre é algo que podemos contar quando precisamos lembrar de algo que se torna significativo. Quando a Rede Record colocou a versão colorizada de Zorro (1958), produção dos Estúdios Disney, Drummond fez a voz do Sargento Garcia (Henry Calvin). Correção: ele estava fazendo novamente a voz do Sargento Garcia, que ele dublara quando a série chegou ao Brasil no começo dos anos 60.
Não sei se as pessoas sabem, mas durante muito tempo, os desenhos animados não eram dublados para a televisão. Principalmente produções da Universal como a Turma do Pica-Pau e os desenhos do Popeye, tanto os desenhos dos Irmãos Fleischer (1936) como a série animada da King Features (1960). Não sei exatamente o motivo, mas quando decidiram dublar o lendário marinheiro comedor de espinafre, lá estava o versátil Orlando Drummond.
Daria para encher páginas dos personagens que Orlando Drummond emprestou seu profissionalismo para dar-lhes uma personalidade brasileira. Quando o ator René Auberjonois veio ao Brasil participar da convenção da Nova Frota (fã-clube de Jornada nas Estrelas), entrei em contato com o Alexandre Drummond, filho de Orlando e também dubladora, para gravarmos uma entrevista para usar na convenção. Nada mais divertido do que mostrar para o ator americano a voz brasileira do Comissário Odo, personagem de Jornada nas Estrelas – Deep Space 9. Mas o destino não queria facilitar e a entrevista foi cancelada.
A paixão pelo trabalho de Orlando levou o jornalista Vitor Gagliardo a escrever e lançar em 2019 a biogravia Orlando Drummond Versão Brasileira. O autor publicou um texto sobre o falecimento do dublador numa rede social afirmando que “Drummond sempre foi amor. Esse foi um dos ensinamentos que ele me ensinou. Amor a vida, a família e o trabalho. Todos aqui já estamos com saudades. Mas, certamente, fica a certeza de que ele vai encontrar familiares e grandes amigos. Só tenho a agradecer pela oportunidade de contar a sua história. Minha alegria maior é saber que o senhor teve todo o reconhecimento ainda em vida. Obrigado por tudo. Palmas para um gênio! Viva Drummond! ‘A palavra mais próxima do amor é o humor'”.
Mesmo fazendo tantas vozes importantes, Orlando Drummond conquistou sua parcela de reconhecimento na televisão quando fez o icônico Seu Peru, na Escolinha do Professor Raimundo por vários anos. Orlando também havia participado de vários programas do amigo Chico Anísio, especialmente o esquete de Bruce Kane, uma sátira aos faroestes americanos com uma dublagem especialmente elaborada.
Há três anos, fui cobrir o lançamento de uma nova linha Kwid Outsider, da Renault. E para minha surpresa, a campanha criada pela DPZ&T, usava a memória afetiva dos fãs da cultuada série animada A Caverna do Dragão, cujos personagens ficaram presos na dimensão mágica, com o final abrupto da série. E lá estava novamente Orlando Drumnond, num de seus últimos trabalhos, fazendo a voz do Vingador, o vilão da saga. Confesso que fiquei emocionado ao ouvir aquelas simples e apaixonadas frases.
Orlando Drummond era um apaixonado pela vida e pelo trabalho. Felizmente, uma boa parte de seu trabalho está preservado nas redes sociais, nos canais streamings e nos DVDs. Quando sentir saudade da voz do Scooby-Doo, Patolino, Frajola, Gargamel (Os Smurfs), Professor Girassol (As Aventuras de Tintin), Popeie, Alf, Dinamite – O Bionicão, Arquimedes ( A Espada era a Lei), Lafayete (As Aristogatas), Hong Kong Fu, O Coisa (Os 4 Fantásticos), Yogi (Pequeno Polegar), Lex Luthro (Supermaigos), General Marshal ( O Resgate do Soldado Ryan), Sargento Garcia (Zorro), Marwin Acme (Uma Cilada para Roger Rabbit), João Bafo-de-Onça (O Conto de Natal do Mickey), Coronel Musgrove (Os Caçadores da Arca Perdida), Max (Casal 20), Calado (As Aventuras de Simbad Jr), Gandalf (o desenho O Senhor dos Anéis), Vovô (Os Garotos Perdidos)…
Uma voz Inesquecível…
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