Casos recentes como a defesa da legalização de um partido nazista no Brasil, bem como ao antissemitismo, enquanto “direito” a ser açambarcado pela liberdade de expressão e o Estado Democrático de Direito, propalado pelo ex-apresentador do Flow Podcast, Monark; e a afirmação da atriz Whoopi Goldberg de que o nazismo não teria um fundamento racial e que, por conseguinte, o holocausto judeu em nada teve a ver com uma questão de racialização, uma fez que teria se dado entre brancos, obrigam-nos, uma vez mais, a defrontamos e confrontarmos com a inexorabilidade do problema do racismo.
Quero começar problematizando a fala da atriz norte-americana, para tal se faz necessário definirmos primeiramente o que é raça. A raça do racismo, do colonialismo e do nazismo não deve ser considerada em seu sentido biológico/taxonômico, mas em seu sentido social, enquanto racialização, isto é, um processo histórico de desumanização, dominação e aniquilamento de determinados grupos e populações, baseado na alegação de que determinados traços fenotípicos (cor de pele, tipo de cabelo, etc) e, principalmente, identitários e culturais (religiosidade, orientação sexual, etc) indicariam uma inumanidade de certos sujeitos.
Posso citar, a respeito deste aspecto, os povos indígenas pré-coloniais das Améfricas. Relações homoafetivas eram comuns a várias dessas sociedades. Este aspecto, porquanto, está relacionado a identidade e orientação sexual dos indivíduos, bem como a um aspecto cultural, uma vez que havia uma aceitabilidade social a homossexualidade nestes povos. O que foi claramente interpretado pelas sociedades europeias cristãs como uma característica da inferioridade racial daqueles, uma vez que o leste europeu, ou de forma mais ampla, o Ocidente cristão, condenava esta forma de amor como algo imoral, punindo pessoas LGBTQIA+ com a pena de morte.
O que o nazismo fez, portanto, foi levar o processo de racialização iniciado pelo colonialismo europeu a tal nível que mesmo alguns brancos são considerados menos brancos, isto é, menos humanos. E não estamos tratando aqui de racismo reverso (de negro contra branco), para de uma prática entre sujeitos brancos. Em Discurso sobre o colonialismo, Aimé Césaire (2020, p. 18) argumenta justamente no sentido de que
[…] no fundo, o que ele [o homem branco] não perdoa em Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o crime contra o homem branco, é a humilhação do homem branco, é de haver aplicado à Europa os procedimentos colonialistas que atingiram até então apenas os árabes da Argélia, coolies da Índia e os negros da África.
Isto é perceptível no nível de revolta que causa as pessoas nas redes sociais e na sociedade em geral, quando o racismo é praticado com distintos grupos que constituem a população brasileira. A exemplo, quando o atual presidente Jair Messias Bolsonaro, então deputado federal, em palestra no Clube Hebraica proferiu comentários racistas, afirmando que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas […] Não fazem nada, eu acho que nem pra procriador servem mais”. Na ocasião, os membros da comunidade judaica que ali se achavam presentes apenas riram, sem mostrar desaprovação a este ato de violência, bastante significativo ao contexto histórico de nossa nação. E veja, não estou aqui para botar o dedo na cara de quem quer que seja e chamar de hipócrita. O que estou em vias de fazer é um convite à reflexão! O problema da racialização e do racismo não são questões rasas e carecem de um olhar mais acurado e, principalmente, de sensibilidade. Ele está em cada instante do nosso cotidiano.
Para finalizar quero adentrar ao caso Monark. A certa altura do episódio dantesco que horrorizou grande parte dos brasileiros, o apresentador afirmou que não haveria problemas a existência de um partido nazista no país, que isto não colocaria em risco a população judaica, pois eles, os nazistas, são minoria. Ora, em termos de dominação e aniquilamento de grupos e populações, a maioria e a minoria não são dadas em termos demográficos, mas em termos de quem está no poder, o que a legalização de um partido nazista certamente possibilitaria. É por esta via que o racismo e o genocídio institucionalizam-se e se normalizam. E este ponto é capital para levantarmos o seguinte problema: Por que grupos nazistas aumentaram 270% desde 2018? Fica aí esta última provocação.
REFERÊNCIAS
Césaire. A. Discurso sobre o colonialismo. Trad. Claudio Willer. São Paulo: Veneta, 2020.
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