Vanessa Maranha é jornalista, psicóloga, escritora e leitora contumaz,. Compõe a antologia +30 Mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira (Record, 2007) e publicou os romances Contagem Regressiva (Selo Off Flip, 2014) e A filha de Mrs. Dalloway, além dos livros de contos Pássara (Editora Patuá, 2016), Quando não somos mais (EDUFES, 2014), Oitocentos e sete dias (Multifoco, 2012) e Estigma (Lucazu Edições, 2021).
Além de escritora e jornalista, você é psicóloga e tem pós-graduada em Psicanálise, Avaliação Psicológica e Neurociência. Como entende a conversa entre Psicologia, Psicanálise e Literatura – se é que há?
Foi fundamentalmente a Psicanálise que me levou à grande coragem do mergulho pela escrita, ainda que eu escrevesse ficcionalmente desde criança. Mas, a partir da compreensão mais profunda da ideia das narrativas e associações em um processo psicanalítico, me pus a escrever no fluxo da consciência (livre associação de ideias), que é parte do método psicanalítico.
Pois, sim, Psicologia, Psicanálise e Literatura dialogam de modo intenso e intrínseco. Toda narrativa é, em si mesma, projetiva e traz sempre em seu bojo algo de ficcional, por fidedigna que se pretenda.
Qual o papel da arte na sua vida?
Fundamental. Ela me move e me apazigua; me traduz; me inquieta; acena horizontes; nos retira da dureza do real, mas não numa premissa de alienação desse real, mas de outra forma de participação e visão disso a que chamamos realidade e que no final pode ser uma grande ‘ficção’ também, sob a perspectiva do que seja o real/- verdade em Kant, por exemplo.
Quais são as suas primeiras lembranças criando?
Aos 6 anos, inconformada pelo ‘viveram felizes para sempre’ dos contos de fadas que sempre acabavam em casamento, eu criava continuações hiper realistas, cruístas mesmo para as histórias, do tipo a princesa reclamar porque o príncipe não comprou sabão em pó e por aí ia, resvalando em pequenas tragédias cotidianas e domesticidades.
E hoje, escreve em quais situações? Quais são suas inspirações e como é o seu processo criativo?
Escrevo diariamente, mas, a angústia ou a dúvida, mesmo a raiva, são grandes motores de produção. Atualmente vivo luto pelo falecimento de minha mãe, ocorrido no ano passado, então minha produção está bem pequena. Tenho escrito uma autoficção sobre minha relação com a minha mãe. Meu processo criativo é sempre por emulação: um poema, uma sinestesia, um pensamento me convocam e aí eu eu mergulho.
Vamos falar do Estigma?
Para cada conto, você deu uma música, e como leitora concordo que as 2 obras se potencializam juntas.
Antes você escreveu ou pensou na canção?
Escolhi a música depois. Lendo o conto, perguntei, que música esse texto sugere?
Alguns contos têm data de até 16+1 anos atrás. Como foi revisitar as narrativas antigas? Você fez alterações ou constatou que hoje as escreveria diferente?
Foi bom revisitar textos antigos, mas não mexi em nada, quis respeitar o momento em que foram escritos, sem mutilações. Hoje eu escreveria coisas diferentes, mas respeitei o tempo.
O livro é dedicado “aos que sangram”. Podemos pensar que você é um deles? Ainda, que nas páginas sangrou?
Sim, todos nós. Mas a ideia dessa dedicatória veio de que o eixo temático para o enfeixar em livro está nesse doer, nesse sangrar que cada conto evoca de forma metafórica e na própria ideia de estigma, no sentido bíblico.
Percebo que alguns temas marcaram a minha leitura, como o tempo, morte e relacionamento… Parece escrever sobre esses, você buscou inspiração nas próprias vivências? O quanto há de você nos tantos personagens?
Costumo dizer nas oficinas e mentorias que ofereço que a obra do escritor circula, basicamente, por 2 ou 3 obsessões estruturais e que o grande enlevo será criar formas novas e criativas de tratar delas. Há sempre algo de nós nos nossos escritos, nem que seja por oposição, por negação, penso.
Por fim, vamos a trocar rápidas?
O Estrangeiro, de Caetano Veloso
– Uma letra ou um poema: Cântico Negro, José Régio. Homo Erectus, de Marcelino Freire.
– Um livro: As cidades invisíveis, Ítalo Calvino
– Um recado aos brasileiros e às brasileiras neste momento difícil: resistiremos, sobreviveremos ao obscurantismo que tolda esse país. Avante.
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